29.8.09

Grotesco contemporâneo no Museu de Arte de Haifa


A obra acima integra a exposição Wild Exaggeration - The Grotesque Body in Contemporary Art, que abriu em julho e fica até janeiro de 2010 no Museu de Arte de Haifa, um dos melhores de Israel. São 35 artistas, israelenses e de outros países, com suas distintas visões do que é grotesco e cruel. Ela se chama Bitte nicht nach Hause schicken (Por favor, não me mande para casa), de Zoya Cherkassky, nascida em Kiev em 1976, e que hoje vive entre Tel Aviv e Berlim. Abaixo, quadro sem título de Ada Ovadia faz menção às torres gêmeas destruídas em NY. Ada nasceu em 1966 no kibutz Maagan Michael, onde vive até hoje.





Ao lado, fachada do Museu de Arte de Haifa, que pode ser visitado em www.hma.org.il



Embora haja elementos cômicos e até carnavalescos no conjunto das obras, estas nada têm de humor no sentido tradicional. Ao contrário, produzem inquietação, sem o conforto do riso fácil. O que a curadoria ressaltou foi o sentimento do absurdo, a proximidade do ser humano com o trágico, que a qualquer momento pode irromper para desestabilizar o cotidiano - o grotesco não serve para escandalizar, sendo uma alegoria de uma realidade que se caracteriza por excessos e incertezas.

Museu Virtual

O Museu Judaico do Rio de Janeiro será um dos museus brasileiros a participar, com imagens digitais, do Museu Virtual, que está sendo criado pela PUC-RJ, num projeto com o Ministério da Educação e o Ministério da Ciência e Tecnologia.

Nos corredores do Museu Virtual, que terá movimento, o visitante vai "caminhar” e interagir com o acervo, informando-se sobre instituições que mostram a diversidade da cultura do país. Acima, vocês podem ver a imagem (estática) do “corredor” onde o poster do Museu Judaico será inserido. Cada vez que um visitante clicar no nosso nome, um texto de apresentação e outras imagens serão apresentadas.

Candelabro "Lindo"


O Museu Judaico de Londres, que vai reabrir em 2010 após uma reforma que custou 10 milhões de libras, terá novidades, entre elas instalações mais amplas para mostrar a vida cotidiana dos judeus na Grã Bretanha ao longo dos séculos e novas salas sobre os refugiados do nazismo, inclusive os kindertransport (que salvaram 10 mil crianças na Segunda Guerra ao permitir que elas chegassem de trem ao país).

Nessa reta final, o Museu também está próximo de se tornar o proprietário da “Lindo Lamp”, uma hanukiá de prata do século 18, a mais antiga do país, e que foi exibida por empréstimo nos últimos 70 anos. A peça vale 300 mil libras e 250 mil já foram arrecadadas entre fundos públicos e instituições filantrópicas para a compra. Espera-se que as restantes 50 mil libras venham de doadores privados.

A hanukiá foi encomendada em 1709, para o casamento de Elias Lindo e Rachel Lopes Ferreira. A família Lindo foi uma das mais importantes da comunidade sefaradi ibérica que encontrou asilo na Inglaterra e uma das fundadoras da Sinagoga Bevis Marks, em 1701. O pai de Elias, Isaac Lindo (1638-1712), fugiu da Inquisição nas Ilhas Canárias e se estabeleceu em Londres em 1670.

Questões genéticas

Ao contrário dos judeus ashkenazim, que durante séculos foram um grupo relativamente homogêneo, herdando uma série de doenças genéticas raras, os sefaradim não têm doenças genéticas específicas mas "nacionais", conforme seu local de origem – é o que diz a seção especial de genética/ 2009 do site judaico http://www.forward.com/ .

Os marroquinos são geneticamente diferentes dos tunisinos ou dos argelinos, por exemplo. Aliás, a referência a sefaradim, nesse caso, abrange um amplo espectro populacional que se estende dos Bálcãs ao norte da África: pois embora a palavra sefaradi originalmente se referisse aos judeus forçados a sair da Península Ibérica pela Inquisição, com o tempo passou a ser utilizada livremente para classificar os não ashkenazim.

Existem em Israel listas separadas de doenças genéticas conforme a região dos ancestrais, embora haja patologias comuns. Entre os descendentes de norte-africanos, muitos são portadores do gene que produz a beta-talassemia, um tipo de anemia (originalmente, era um gene vantajoso para o portador, pois dava alguma proteção contra a malária, endêmica no norte da África). Saber disso permite a adoção de medidas paliativas quando surgem doenças que durante muitos anos ficaram sem diagnóstico.

Outros grupos judaicos específicos, que durante séculos viveram intramuros, fechados em termos reprodutivos, são atualmente objeto de interesse médico: o Instituto de Genética Médica do Cedars-Sinai Medical Center de Los Angeles lançou em julho um programa de rastreamento de quatro doenças compartilhadas por judeus iranianos e seus descendentes (o Persian Jewish Genetic Screening Program). A maior parte da comunidade judaica radicada no Irã (e que vivia na Pérsia desde o século 6 a.C.) emigrou após 1948, sobretudo para Israel e EUA.

O mal genético que mais afeta os ashkenazim ainda é a doença de Gaucher, deficiência enzimática que produz sintomas como aumento do fígado, anemia, sangramento nasal e dores ósseas. Segundo o laboratório Genzyme, que produziu a primeira droga para a doença, esta afeta cerca de 10 mil pessoas no mundo. Na população em geral, uma pessoa em cem tem o gene; entre os ashkenazim, o índice é de 1/15 (mas ser portador do gene não é sinônimo de desenvolver a patologia; para transmiti-la é preciso que ambos os genitores possuam o gene, detectável por exame de sangue ou saliva).

21.8.09



O shad’hen

Na década de 1940 ainda havia na comunidade judaica a função de shad’hen (do hebraico shad’han, casamenteiro), embora um pouco diferente da maneira europeia. Lá, era uma profissão, aqui, um “bico” remunerado quando o encontro se concretizava. Em geral, os pais se preocupavam em casar as filhas o mais cedo possível, antes dos 20 anos, senão já seriam consideradas “muito velhas”. Minha mãe não era exceção, só que não se interessava pelos serviços do shad’hen, pois nem ela nem suas irmãs, ao todo seis, haviam tido casamentos arranjados. Em Varsóvia, de onde vieram, a vida para o judeu era mais difícil que no shtetl, mas era um mundo mais aberto.

Eu, mocinha, ainda na escola, vivendo a alegria dos 15 anos, presenciei um dia meu pai chegando do trabalho em estado de grande irritação. Inquirido por minha mãe, contou-lhe que um shad’hen havia tido a audácia de lhe propor para mim um shídor (acordo entre os pais do rapaz e os da moça com vistas ao casamento).

- E o que você respondeu? - minha mãe quis saber, consternada.

- Pedi ao sujeito que se retirasse, pois não tenho mercadoria podre para vender.

- Você tem quatro filhas em casa - alertou minha mãe.

Meu pai lançou-lhe um olhar de pena, e eu, ouvindo o diálogo, fiquei matutando por que razão minha mãe estava tão preocupada com casamento, se nem sequer namorávamos!
Quando me pego às vezes nestas lembranças, acho graça, imagino que peso e valor tinham tais coisas para nossas mães. Com o passar do tempo, fomos nos casando, uma após outra. Minha mãe ainda deu à luz mais uma menina. Só que, então, já tinha adquirido a segurança que lhe permitia dizer:

- Quando sair a última, ainda virão me perguntar se não tenho mais.

17.8.09

Padre Vieira e os judeus (por Arnaldo Niskier*)


[ O acadêmico e professor Arnaldo Niskier, autor do artigo abaixo, faz conferência no Museu Judaico quarta-feira, 19 de agosto, 18 horas, acerca de suas pesquisas, que resultaram em livro, sobre a relação do padre Antonio Vieira, figura emblemática da cultura luso-brasileira, com os judeus ]
"O padre Antônio Vieira, maior representante da eloquência sacra em nossa literatura, manteve em seus quase 90 anos de vida uma relação de intensa simpatia com os judeus. Sua família, isenta de preconceitos, registrou diversos casamentos considerados mistos, na ocasião, como o da irmã Leonarda, casada com Simão Álvares de Lapenha, com quem teve filhos; Maria de Azevedo casou com Jerônimo Sodré Pereira; Catarina Ravasco de Azevedo com Rui de Carvalho Pinheiro e Inácia de Azevedo com Fernão Vaz da Costa. Todos de sangue semita.

A Companhia de Jesus era fortemente influenciada pela chamada “gente de nação”, o que levou Vieira a uma grande identificação com o Velho Testamento e à defesa candente dos cristãos-novos, perseguidos pelo Santo Ofício e a Ordem Dominicana. Acabaria, ele mesmo, sendo vítima da Inquisição. Foi pesquisado se tinha sangue impuro, “pois só um judeu defenderia tão ardorosamente outros judeus.” Nada encontraram, era mesmo idealismo do pregador messiânico, que, chegando à condição de confidente de D. João IV, sugeriu-lhe retomar Pernambuco dos holandeses, mas não pela guerra, e sim por uma compra com o dinheiro emprestado pelos judeus, desde que lhes fosse permitida a livre entrada no país.

É dessa época a construção da primeira sinagoga brasileira – Kahal Zur Israel (Rochedo de Israel), que começou a ser pensada em 1630, com a chegada dos primeiros israelitas oriundos da Holanda a Recife. Eles queriam uma sinagoga e uma escola, da mesma forma que o padre José de Anchieta, um século antes, falava em construir uma escola ao lado de cada igreja. São semelhanças que devem ser lembradas.

Em 1642 pregou Vieira pela primeira vez em Lisboa. Havia necessidade de obter recursos financeiros para a aquisição de navios e armamentos, além da contratação de mercenários, como era costume na época. Sugeriu ao monarca a cooperação dos judeus – cristãos-novos ou não – lançando o opúsculo Razões apontadas a el-rei D. João IV a favor dos cristãos-novos para se lhes haver de perdoar a confiscação de seus bens, que entrarem no comércio deste reino.

Pode-se compreender o alcance da sugestão pelo que afirma Mendes dos Remédios, no seu clássico Os Judeus em Portugal: “Defesa pronta, desassombrada, eloqüente, vigorosa, linguagem forte, lógica incisiva e fulminante. Esse escrito estalou como um trovão ... O que não devia causar menos espanto, apreensão e temores era o saber-se que o paladino dos cristãos-novos e autor daquela Proposta era um jesuíta, homem então na pujança da vida e do talento, bem aceito na corte, adorado nos meios aristocráticos e devotos da capital, intimorato, eloqüente, generoso, e cujo saber e habilidade não conheciam limites – o padre Antônio Vieira.”

Os inimigos eram os castelhanos e os holandeses, estes já instalados no Nordeste brasileiro, especialmente em Pernambuco. O pragmatismo de Vieira pode ser medido por essa afirmação: “Favorecer aos homens de nação ou admiti-los neste Reino, na forma que se propõe, não é contra lei alguma, divina ou humana, antes é muito conforme aos sagrados cânones... O judaísmo não passa de homens da mesma nação.”

Com o seu apoio, organizou-se a Companhia de Comércio para o Brasil, fundamental para a reconquista de Pernambuco, apesar da forte oposição encontrada. Mas Vieira era muito firme nas suas convicções: “O Papa, em Roma, admitia judeus públicos (os que viviam na lei de Moisés) e sinagogas, por que se não havia de consentir em Portugal? O modo de processar na Inquisição os apóstatas era iníquo.” Por isso, a ele se atribui, quando estava em Roma, a autoria do Memorial a favor da gente de nação hebréia.

Recorremos à renomada historiadora Anita Novinsky, da USP que se manifestou elogiosamente ao artigo da Folha com o título “Rochedo de Israel”, publicado em 30/03/2000 e que, no livro Inquisição – Inventários de bens confiscados a cristãos-novos, faz um comentário bastante elucidativo: “Durante o reinado de D. João IV, quando atrás do monarca soprava a voz do padre Antônio Vieira, a Inquisição se viu seriamente ameaçada e privada de seus lucros. Os desentendimentos entre a Coroa e a Inquisição alcançaram então seus extremos... O padre Vieira continuou a minar o edifício inquisitorial, que chegou mesmo a trepidar em torno dos anos de 1674 a 1681.”

Quando Portugal retomou a região, com o reforço da frota de 36 galeões armados, Recife ficou em mãos da Companhia do Comércio, tornada viável pela inteligência e coragem de Vieira, com a ajuda de cidadãos hebreus de Lisboa, Hamburgo e Amsterdam.

Com o recrudescimento das ações do tribunal do Santo Ofício, os judeus de Pernambuco, que tinham sido liderados pelo rabino português Isaac Aboab da Fonseca, de estilo messiânico semelhante ao de Vieira, seu contemporâneo, novamente se espalharam pelo mundo. Alguns deles, em 1654, foram para a cidade de Nova Amsterdam, colônia inglesa na América do Norte, onde ajudaram a consolidar o que viria a ser a grande cidade de Nova Iorque. Os judeus de todas as partes jamais esquecerão o que para eles representou a ação abençoada do padre Antônio Vieira".
* Arnaldo Niskier foi presidente da Academia Brasileira de Letras (98-99) e Secretário Estadual de Ciência e Tecnologia (68-71) e Educação e Cultura (79-83) do Rio de Janeiro.

Ron Arad sem disciplina em NY


Hoje um ícone, a Cadeira Rover foi criada em 1981 pelo artista israelense Ron Arad a partir de um assento de couro do carro britânico Rover V82L. A partir da cadeira, misto de obra de arte e mobília sofisticada, começou a fama de Arad, que ganhou agora uma retrospectiva no Museu de Arte Moderna de Nova York, sob o título “No Discipline” –“Sem Disciplina”, motto sintetizador de um dos mais influentes designers do mundo, alguém que vem trafegando entre as várias formas de arte e a arquitetura.

Nascido em Tel Aviv em 1951, Arad vive na Inglaterra desde os anos 1970. É professor do London Royal College of Art e ajudou a fixar o conceito da importância da experimentação com proporções, técnicas e suportes. Suas obras estão em distintos lugares do mundo – escultura em Jerusalém, hotéis na Áustria e na Espanha, sala de jantar da mansão de um sheik no Qatar, frasco de perfume para Kenzo. Na exposição em NY, um dos trabalhos que mais produz impacto é Lolita, candelabro de cristal desenhado para Swarovski. O nome é referência à primeira frase do livro de Vladimir Nabokov (1955), “Lolita, light of my life, fire of my loins”.

Mein Kampf deve ser publicada com anotações?

A campanha para republicar, com comentários acadêmicos, Mein Kampf, ganhou semana passada um aliado inesperado: o Conselho Central dos Judeus da Alemanha. O livro foi banido depois da Segunda Guerra, e os direitos de publicação pertencem (até 2015) ao Estado da Baviera, que não concorda em abrir mão deles sob o argumento de que o conteúdo seria usado pela extrema-direita. Mas os defensores da publicação afirmam que uma edição crítica, cuidadosamente anotada, permitirá que a próxima geração aprenda o que era a ideologia nazista – até porque versões do livro já circulam livremente pela internet, sem qualquer contextualização.

O professor David Bankier, diretor do Instituto Internacional de Pesquisa do Holocausto do Yad Vashem, também concorda com a edição acadêmica, segundo entrevista ao jornal israelense Haaretz. Outro que concorda é Ian Kershaw, historiador britânico e biógrafo de Hitler, para o qual a divulgação via Internet vem abalando o conceito de censura. A primeira edição do livro foi publicada em 1925. Alguns países – como Alemanha, Áustria e Holanda – proíbem sua publicação, mas outros, inclusive Estados Unidos, a permitem.

Mein Kampf chegou a ser vendido através da Amazon, mas protestos do Centro Simon Wiesenthal obrigaram a empresa a retirar a oferta da rede. Em Israel, a obra pode ser encontrada em algumas bibliotecas de universidades.

Idish: idioma em ascensão?


Língua em extinção? Língua dos oprimidos dos guetos europeus? Durante as décadas seguintes à Segunda Guerra, parecia que ninguém jamais voltaria a ler livros em idish ou a traduzir autores seculares da literatura idish. Mas não foi o que aconteceu – graças a gente como o norte-americano Aaron Lansky, que conta em Outwitting History – the amazing adventures of a man who rescued a million yiiddish books (Algonquin Books) como ele e sua equipe, a princípio minúscula, salvaram da destruição um milhão e meio de livros em idish e fundaram o hoje importante National Yiidish Book Center (sediado em Amherst, Massachussetts, http://www.yiddishbookcenter.org/).

No Brasil também há gente preocupada com o idioma, caso de Genni Blank – que traduziu e reorganizou a obra Ídiche, Uma Introdução ao Idioma, Literatura e Cultura - Aprendizado Sem Mestre, de Sheva Zucker, cujo segundo volume acaba de ser lançado, com 506 páginas e dois CDS incluídos.

Os livros são um método de auto-aprendizagem: ouve-se a pronúncia do idioma e conferem-se as respostas dos exercícios e das interpretações dos textos. O volume II contém novas lições, provérbios e expressões idiomáticas, anedotas, trechos de autores famosos como Isac Bashevis Singer e Sholem Aleichem, tabela para conjugação de mais de 500 verbos e glossário. As canções vêm no original, com tradução, transliteração e partituras. Há ainda um capítulo sobre o Holocausto, com trechos da última carta de Mordechai Anilevitch antes da aniquilação do Gueto de Varsóvia.

[Aquisição via blankge@yahoo.com.br ou Sinagoga de Copacabana, telefone 2255-0191. O preço é R$85,00. O Volume I está sendo vendido a R$ 90,00]

[o dicionário Aurélio grafa ídiche, mas outras fontes ficam com idish, transliteração clássica, daí as duas grafias que aparecem aqui]

RELATO DE LANSKY

Para Lansky – que começou sua missão-resgate aos 23 anos, em 1980 – a literatura idish representa uma parte fundamental da história cultural ashkenazi. É engraçado e comovente seu relato de algumas das centenas de visitas feitas por ele e dois ou três colegas, dirigindo caminhões alugados, a idosos em seus pequenos apartamentos em Nova York e Nova Jersey, ou a bibliotecas comunitárias e galpões de editoras fechadas, onde riquezas literárias jaziam cobertas de poeira e mofo. Pelos idosos, era sempre recebido com lautas refeições; em suas cozinhas compreendeu a inutilidade de recusar-se a provar mais um bocadinho de arenque ou de torta de maçã e abriu os ouvidos para nostálgicos relatos que os filhos não queriam mais ouvir.

A missão de Lansky também o levou ao Canadá, a Cuba, à União Soviética antes da queda do Muro de Berlim, e a fazer centenas de palestras nos EUA, pedindo apoio e recursos, que custaram a chegar. No começo, as doações eram pequenas; com o tempo, grandes patrocinadores (como a Fundação Spielberg) aderiram à causa. Mais tarde, seu Centro passou também a fornecer livros: a comunidade judaica lituana, por exemplo, os usou para formar clubes do livro em idish, devidamente animados por velhos professores que haviam “esquecido” o idioma durante o período soviético.

Nos anos 1990, os livros já eram recolhidos também em mansões ajardinadas nos subúrbios afluentes dos EUA, onde ninguém mais oferecia comida à equipe e netos adolescentes espantavam-se por seus avós, que lhes pareciam iletrados devido ao sotaque carregado, terem um dia lido “tudo aquilo” guardado no porão. Como o trabalho de coleta era fisicamente pesado (a equipe não contava com empregados) e como a “herança” literária pouco significaria se não pudesse ser apreciada pelas gerações seguintes, Lansky passou a oferecer estágios a jovens e a criar um novo e atraente tipo de informação cultural.

“As vezes o idish parecia um teste de Rorschach: os jovens, especialmente, viam nele o que queriam ver. Para os ateus, era o judaísmo sem religião; para as feministas, o judaísmo livre de patriarcado; para os desconfortáveis com a política israelense, o nacionalismo sem sionismo; para os socialistas, a voz da luta proletária; para os radicais mais contemporâneos, um shtoch no establishment ”.

O trabalho do Centro mostra que o idish foi muito além dos escritores mais conhecidos. Foi o idioma de uma vasta produção revolucionária (socialista e bolchevique) no início do século XX e de uma rica bibliografia histórica, política e sociológica, que aos poucos começa a ser traduzida para o inglês. É Lansky quem dá um exemplo:

“Numa noite quente de verão me trouxeram um tomo enorme intitulado Leksikon fun politishe um fremdverter (Dicionário de Terminologia Política e Estrangeira), organizado por Dor-Ber Slutski, publicado em Kiev em 1929. Com quase 1.100 páginas, era o sonho de qualquer estudioso: um dicionário mostrando exatamente como os judeus percebiam o mundo ao seu redor num momento de grandes mudanças sociais e políticas”.

Lansky acabou descobrindo que toda a edição fora recolhida pela polícia soviética. Nenhuma cópia havia sobrado. Ao tomar conhecimento disso, seu coração disparou: afinal, uma cópia havia sobrado, sim, e estava com ele!

“Escondi o livro, tranquei a porta, liguei o alarme contra assaltos....Como a obra sobrevivera, e como chegara ao Centro? Colocamos um anúncio no Pakn Treger, nossa revista em inglês, pedindo informações. Dois dias depois, recebi um telefonema de uma mulher de Long Island. O livro, informou ela, pertencera ao pai, que em 1929 fora à União Soviética, onde vivia seu primo Slutski. Ambos estavam numa gráfica de Kiev quando as primeiras cópias saíram da impressora, e o primo deu-lhe uma de presente...Ele a trouxe consigo para Nova York e a guardou em sua biblioteca pessoal até morrer. A filha então enviou-a ao Centro, onde nossos estagiários a descobriram dentro de um despretensioso pacote de livros em idish”.

2.8.09

Presenças e ausências no Itamaraty


Robi Damelin, membro do Círculo de Pais, Fórum das Famílias

Ao fim do Seminário Internacional de Mídia sobre a Paz no Oriente Médio("Promovendo o diálogo israelense-palestino - um ponto de vista sul-americano"), em 27 e 28 de julho no Rio, ficou claro que é longo o caminho a ser percorrido. Até os cisnes do Itamaraty sabem que o intrincado xadrez geopolítico da região passa longe da influência da mídia, motivo do Seminário... Mas foi enriquecedora a troca de opiniões no evento, organizado pelas Nações Unidas, e os discursos do Ministro do Exterior Celso Amorim e do assessor para assuntos internacionais do Presidente Lula, Marco Aurélio Garcia, foram convergentes e moderados (como convém a um país em campanha por um lugar no Conselho de Segurança da ONU).

A relevância de palavras e de imagens sobre corações e mentes, especialmente no tocante a situações que mexem com o imaginário étnico-religioso, os direitos humanos e o sofrimento de civis, consolidou-se com o fecho perfeito para o Seminário: a apresentação de duas pequenas versões do premiado e comovente documentário Ponto de Encontro, co-dirigido pela brasileira Julia Bacha e por Ronit Avni. Estiveram no Rio dois de seus protagonistas, a israelense Robi Damelin e o palestino Ali Abu Awwad, ambos membros do Círculo de Pais – Fórum das Famílias, grupo que reúne cerca de 500 famílias enlutadas dos dois lados.

O documentário mostra como cidadãos comuns se levantam das cinzas da dor mais profunda para buscar vias de reconciliação em vez de ceder aos clamores por vingança (David, filho de Robi, fo morto por um franco-atirador palestino; o irmão mais velho de Awwad foi morto por um israelense)e às palavras de ordem políticas. Ela, que um dia emigrou da África do Sul para Israel, percorre, sempre com um parceiro palestino, comunidades e escolas do seu país e dos teritórios ocupados, e também viaja pelo mundo, pregando a necessidade de mediação e paz (veja mais em http://www.justvision.org/)




No mais, não houve (nem se esperava) consenso. A ausência do prefeito de Gaza, à última hora impedido de viajar ao Rio, foi lamentada pelos israelenses, que tinham planejado discutir com ele vários pontos de projetos sanitários já prontos e com recursos alocados. Os projetos não foram implantados devido ao boicote do Hamas, informou o prefeito de Ashkelon – e esse tipo de informação dividiu a platéia, microcosmo da polarização que o tema Israel-Palestina produz.

A maioria dos judeus presentes vibrou quando Yacov Achmer, do Canal 1 da TV israelense e especialista em assuntos internacionais, criticou as exigências palestinas, alegando que elas mudam à medida que Israel faz concessões. Depois de perguntar que Palestina a OLP queria libertar antes de 1967, ironizou a suposta neutralidade jornalística, declarando-se, nessa ordem, judeu, israelense e jornalista.

Já a esquerda e os árabes aplaudiram Gideon Levy, colunista do jornal israelense Haaretz, para o qual nenhuma negociação irá adiante sem a retirada de Israel dos assentamentos e o fim de políticas humilhantes (como os postos de controle). Levy afirmou que a ocupação não teria se mantido sem a colaboração da mídia de seu país, “que está inteiramente a serviço do governo”.

Diante do argumento de que a mídia israelense é ideologicamente plural, divulgando todo tipo de avanço comportamental e escândalo governamental (inclusive escapadas sexuais de ministros), Levy apontou que quando se trata de segurança nacional e de árabes ela torna-se caudatária das posições oficiais e reforça percepções. Deu um exemplo recente: numa mesma edição um grande jornal divulgou com destaque, e foto na primeira página, a história da morte do cachorro de estimação de um soldado israelense e jogou para a página 14 a morte de palestinos numa incursão militar de Israel.

É claro que nenhum palestino morador de Gaza faria, sob risco de represálias, esse tipo de autocrítica impiedosa! Foi com palavras cautelosas, pois, que alguns participantes garantiram que sua mídia não pertence ao Hamas, não quer o Hamas... mas convive com o Hamas. Portanto, nada de discutir censura: eles e elas ressaltaram a questão dos refugiados e de Jerusalém, reclamaram da existência de 11 mil prisioneiros palestinos em Israel e protestaram contra sua falta de liberdade de movimentos e o estrangulamento econômico de sua população civil.

Na contextualização reside um dos nós da informação sobre o Oriente Médio. Como explicar certas peculiaridades da região ao público, sobretudo na América Latina? Como discutir fotografias de crianças mortas por bombas? Andrew Whitley, diretor do escritório da UNRWA (Relief Works Agency for Palestinians) levantou questões como essa. Para ele, a mídia deveria olhar mais “sob a superfície” ao reportar o conflito, já que a reiteração de estereótipos não serve ao interesse de ninguém e deslegitima o outro. Daí a importância de todas as pontes, mesmo pequenas, como as que esse Seminário estabeleceu entre interlocutores tão variados (israelenses, árabes, brasileiros, argentinos, egípcios, norte-americanos).