Crianças israelenses brincam junto a medidores de nível da água no Mar da Galiléia
por Ronaldo Wrobel [ advogado e escritor; o artigo foi publicado originalmente na revista Menorah ]
No último ano, a superfície do Kinneret - ou Mar da Galiléia - baixou dois metros. De 2004 para cá, foram cinco metros de recuo, para a agonia do lago responsável por 40% da água potável consumida em Israel e redondezas. Mantido pelas chuvas e pelos rios do norte, o Kinneret é mais uma vítima do aquecimento global. É do Kinneret que saem as águas que formam o Rio Jordão e desembocam no Mar Morto, não sem antes abastecer milhões de pessoas às suas margens. Estudos recentes mostram que só 10% do fluxo inicial do Jordão - rio de muita história e pouca água, como disse Shimon Peres - chegam ao Mar Morto, que também está secando.
Na Cisjordânia, à margem esquerda do rio, há cidades onde os caminhões-pipa são disputados a tapa enquanto, nas feiras livres, se vendem apenas vegetais de clima desértico como berinjelas e feijões. "Nossas torneiras estão secas", reclamam os moradores de Jenin. Do lado israelense a situação também é delicada. O governo ameaça aumentar o preço da água e fiscais estão multando quem rega os jardins durante o dia. Nos jornais, uma campanha informa que cada minuto de banho consome dez litro d'água, ou seja, uma enormidade. Escovar os dentes com a torneira fechada e só lavar os carros com parcimônia são recomendações básicas. Mas, segundo os ambientalistas da ONG Amigos da Terra Oriente Médio, a campanha está errando o alvo. O vilão da história não seria o consumo doméstico.
"Não podemos desperdiçar nossa água com bananas e melancias", alerta Gideon Bromberg, diretor da sede israelense da ONG, propondo que Israel centre sua economia na tecnologia e em serviços não poluentes, ao invés de desafiar o clima.
Faz sentido, a julgar pelo dado apresentado pela ONG: hoje, embora consuma metade da água disponível no país, a agricultura só representa 2% do PIB israelense. O mundo mudou, a globalização é fato e aquelas lendárias plantações no meio do deserto, orgulho de todos nós, parecem mais românticas do que propriamente viáveis, principalmente quando se sabe que a água usada ali é subsidiada pelo governo.
A busca de alternativas é questão de primeira ordem. Em 2005 foi inaugurada uma grande usina de dessanilização da água do mar, na cidade costeira de Ashkelon. Israel domina a tecnologia e já constrói sua terceira usina enquanto implanta projetos parecidos na Ásia e nos Estados Unidos. O maior problema dessa técnica é o custo e a manutenção. Apesar de ser a maior do mundo, a usina de Ashkelon só produz 13% do consumo necessário para o uso doméstico e urbano em Israel, cuja população não pára de crescer tanto numérica quanto economicamente. Em suma, o bom e velho Kinneret ainda é fundamental não só para matar a sede como para manter a paz com os vizinhos.
Por sinal, a seca é uma questão basilar da cultura judaica. O sentido agrícola de festas como Pessach ou Shavuot é muito enaltecido em Israel, onde os ciclos da natureza ainda ditam a sobrevivência de muita gente. Existe, inclusive, um dia especial chamado Shemini Atzeret, no fim de Sucot, quando se roga a Deus que faça chover no ano que está começando.
É nessas horas que os opostos se atraem: os mais pragmáticos acendem uma vela e os religiosos respeitam a tecnologia. Se há uma coisa em comum entre os gregos e troianos de Israel é a esperança de que os céus sejam mais generosos e que o velho Jordão volte a ter tanta água quanto história.