21.9.09

Direitos humanos no Brasil (por Jacksohn Grossman*)

O Museu Judaico convida para a mesa-redonda "Direitos humanos - a questão das diferenças" (em 29 de setembro, a partir das 18 horas, no Atlantic Business Center, avenida Atlântica 1130, térreo), com a participação de Benedita da Silva, secretária de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos; Jorge da Silva, secretário executivo da Coordenadoria Multidisciplinar de Estudos e Pesquisas em Ordem Pública, Polícia e Direitos Humanos; e Abraham Goldstein, presidente da B'nai Brith do Brasil. A mediação será do advogado Jacksohn Grossman, diretor do Departamento Jurídico da Fierj, autor do seguinte artigo sobre o tema: 
" O Brasil participou ativamente da redação da Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada pela ONU em 1947, sendo então representado pelo jornalista Austregésilo de Athayde. Nem por isso a expressão “direitos humanos”, em nosso país, deixou de apresentar diferentes sentidos, conforme distintos contextos e épocas.
Durante os 20 anos de ditadura militar invocavam-se os direitos humanos em defesa dos perseguidos políticos, em defesa da liberdade de expressão e contra a tortura, as prisões ilegais e a legislação autoritária. Nos dias atuais costuma-se empregá-la para denunciar chacinas em favelas e as condições subhumanas de nossas prisões.

Independentemente dos problemas econômicos e sociais, há um outro aspecto, de cunho ideológico, que vai permear todos os estratos sociais, e que diz respeito à visão do Outro, ou seja, daquele que olhamos e pensamos como “diferente”. Gilberto Freyre, tão festejado sociólogo que teria promovido a defesa da miscigenação de brancos com negros, exaltando-a como marco positivo da criação de uma propalada “democracia racial” no Brasil, deixa claro seu antissemitismo, ao se referir aos judeus como “técnicos de usura” e “aves de rapina”.

Com as recentes descobertas científicas e a decifração do genoma humano, desmoralizou-se a idéia de existência de raças superiores ou inferiores, de diferenças entre raças, e até mesmo o próprio conceito de raça. Nada disso, porém, é bastante para alterar o conceito de “judeu” ou de “negro”, que se acha internalizado pela cultura transmitida por gerações.

Exemplo dessa permanência é a forma como é tratado o judeu no noticiário publicado na imprensa. Com efeito, quaisquer notícias, tanto elogiosas, quanto, principalmente, as detratoras, envolvendo algum cidadão judeu, recebe não apenas este qualificativo, mas também, por vezes, o registro de que seria “estrangeiro”. Assim, “fulano de tal, médico judeu radicado nos Estados Unidos, ...”, ou, “comerciante judeu há muitos anos no Brasil, foi ontem assaltado e morto durante violento tiroteio”. O mesmo tratamento não é atribuído aos católicos, protestantes, budistas ou espíritas, quer sejam eslavos, asiáticos ou europeus.

A expressão “isto é coisa de judeu”, “você parece judeu”, ou até mesmo “você não parece judeu”, é ainda bastante utilizada, em todas as classes e níveis de instrução, não apenas de forma pejorativa e preconceituosa, mas também como se o judeu possuísse características próprias e diversas dos demais cidadãos, percebíveis a olho nu ou identificáveis pelo simples modo de ser ou de agir.

O histórico de casos, em nossa experiência de mais de duas décadas no trato das questões jurídicas trazidas ao conhecimento da Federação Israelita do Estado do Rio de Janeiro, demonstra que a prática do racismo e do antissemitismo vem ocorrendo não apenas de forma persistente, mas em volume cada vez maior. Exemplos notórios são as publicações de obras de nítido caráter nazista, artigos em jornais e revistas, entrevistas nos diversos meios de comunicação, venda de objetos com o símbolo do nazismo, desenhos de suásticas em colégios, universidades, repartições, meios de transporte, bandeiras de torcidas, decoração de restaurantes, etc.

Num curso de pós-graduação aqui no Rio de Janeiro, na cadeira “Alternativas para Produção Científica em Relações Internacionais”, há cerca de um ano e meio, a professora e então diretora do Curso declarou em sala de aula que “Hitler deveria ter matado todos os judeus”. Na internet multiplicam-se os sites nazistas, as comunidades no Orkut, dentre elas “Poder Branco”, “Comunidade Adolf Hitler BR”, com 761 membros, “Comunidade Hitler”, com 486 membros, e “Comunidade Hitler Mein Kampf, com 1009 membros. Há ainda a pregação feita pelos que se autodenominam “revisionistas históricos” no tocante ao Holocausto, sem contar o ódio manifestado em cartas de leitores nos jornais e sites de notícias on line, que, a pretexto de atacar Israel, pretendem na verdade demonstrar que os judeus são poderosos, opressores, amantes da guerra e da violência e dominadores dos meios de comunicação.

Quanto ao judeu, não importa se professa ou não a religião judaica, se é judeu apenas por origem ou porque assim se declara: esses dados não são considerados para vê-lo como um “diferente”, que tem uma marca própria, diversa da maioria, sujeito a um outro olhar."
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* Este artigo é um resumo da palestra do autor na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, no evento “Presença Judaica na Cultura Brasileira”, realizado pela UNIRIO e o Memorial Judaico de Vassouras.