3.5.10

Casa de Anne Frank faz 50 anos



Foi só na minha terceira viagem a Amsterdam que visitei a Casa de Anne Frank, que comemora 50 anos neste 3 de maio [ um milhão de pessoas passam anualmente pelo local, transformado em museu, onde Anne e sua família se esconderam por dois anos, durante a Segunda Guerra]. As celebrações do cinquentenário contaram com a presença da rainha da Holanda, de políticos, da mídia.

"Não poder pôr os pés do lado de fora me chateia mais do que consigo dizer, e estou apavorada porque podemos ser fuzilados se o nosso esconderijo for descoberto”, escreveu a adolescente no diário, que depois se tornaria um best seller mundial. Agora, praticamente todos os manuscritos originais que vieram a formar o livro estão na Casa, bem como contos de autoria de Anne e um caderno com suas citações favoritas.

Minha relutância se devia à impressão de que percorreria um cenário óbvio, cheio de informações excessivamente conhecidas. Ademais, há algo de incômodo numa mostra que, focada no cotidiano (com tudo o que o cotidiano tem de prosaico, mesmo em situações-limite) de pessoas que depois seriam deportadas para os campos de extermínio, não pretende explicar como a consciência européia curvou-se ao totalitarismo nem revela toda a dimensão da colaboração com o nazismo.

Outro incômodo: enfrentar a fila de turistas que todos os dias se aglomeram ali.

Enfrentada a fila, porém, a Casa não deixa ninguém indiferente. A garota morena de classe média, rebelde e otimista, que sonhava ser escritora, transforma-se na neta do idoso casal japonês cujos olhos dizem "Hiroshima" ao percorrer desenhos, páginas de revistas da época e fragmentos de escrita. E se transforma também na filha pianista da professora cristã do Texas, de casaco cor-de-rosa e mapa na mão, que tem só três dias para percorrer a cidade e optou por homenagear Anne Frank em primeiro lugar. Pois se Anne somos nós, como não chorar por ela?

A casa, com suas escadas íngremes, seu sótão, suas janelas sobre o canal, é uma construção igual a centenas de outras nessa Amsterdam desde o século XVII tão cosmopolita, tão aparentemente previsível e acolhedora, mas que não pôde, ou não quis, salvar os judeus diante do avanço nazista. O que me provoca arrepios, à saída, é a evocação da marcha furiosa das botas na calçada, o som dos gritos e, já agora, o discurso raivoso contra os "indesejáveis" nessa Europa culta em que flanar é tão seguro, tão fácil...