11.10.08

Judith Malina no Rio: trabalho é oração e louvor


Mito da contra-cultura nos anos 60 e 70, um ícone dos jovens que tinham como slogan o "é proibido proibir", Judith Malina, que junto com o marido Julian Beck criou o Living Theatre, esteve semana passada no Rio de Janeiro, onde recebeu uma medalha do Ministério da Cultura e deu um concorrido workshop para atores e diretores teatrais (organizado pela CAL no Sesc-Copacabana).

Todo o processo foi filmado pela cineasta Adriana Figueiredo, inclusive a emocionada chegada de Judith à sinagoga da ARI, em Botafogo, no final do Iom Kipur. Era uma tarde fria e a sinagoga estava cheia. Extremamente vital, olhos brilhantes e atentos, a miúda Judith, filha de um rabino e de uma ex-atriz que emigraram da Alemanha para os EUA em 1928, continua, aos 82 anos, anarquista, graças a Deus... Escreve tudo o que lhe acontece num caderno/diário (já tem 600 deles, alguns publicados). Jejuou no Iom Kipur, apesar de nao ter interrompido o workshop, pois vê seu trabalho como uma oração e um louvor ao Criador. Atualmente, o Living Theatre está apresentando, num espaço sem cadeiras e com total participação do público, o espetáculo Eureka, concebido sobre obra de Edgar Allan Poe por Hanon Reznikov, o segundo marido de Malina, e continuado por ela quando ele morreu em maio último.

Quando lhe perguntei se a religião não entra em contradição com sua vida radical (ela mantém até hoje todas as propostas do Living Theatre), ela respondeu que não, pois segue o que o coração lhe dita e não as regras fixas do judaismo rabínico. Ao acender as velas na sexta-feira à noite, não o faz porque é obrigatório, diz, mas para honrar a si mesma, aos ancestrais, e sentir-se unida às milhões de mulheres judias que o fazem no mundo inteiro.

Para quem não lembra, Judith e Beck foram expulsos do Brasil em 1971, por decreto do ditador Emilio Garrastazu Médici, depois de ficarem presos dois meses, acusados de prejudicar a ordem pública em Ouro Preto com seu grupo que fazia teatro nas ruas. Os "cabeludos" foram chamados de subversivos (ó palavra subitamente antiquada!) pelas autoridades locais. A medalha de agora não apaga o ocorrido, mas foi recebida com emoção por Judith, que diz gostar muito da criatividade dos brasileiros. Na ocasião da expulsão, ela escreveu o seguinte no seu diário:

“E assim teremos que deixar o Brasil. O julgamento continuará sem nós. O silêncio no Tribunal é pesado. O silêncio sombrio dos advogados está misturado de outros sentimentos. Nosso silêncio é igualmente estranho. Está quase tudo acabado. Deixamos Ouro Preto pela última vez. Nossos amigos, em grande número, reúnem-se em torno do ônibus [...] O ônibus sobe a rua Direita. Com o meu rosto apertado contra a janela do ônibus,as lágrima descem de repente. Eu amo o Brasil. Na Praça Tiradentes tudo está muito calmo. Dois estudantes estão sentados na base do monumento a Tiradentes. Quando nosso ônibus passa, um deles levanta a mão com o punho cerrado.

Quando chegamos ao DOPS, as luzes das câmaras e os flashs nos põem tontos. Repórteres, advogados, mil perguntas: quando? Quais as notícias oficiais? O que há sobre os brasileiros do grupo? Para onde vamos? Quando vamos ser soltos? O que significa ser banido? Poderemos voltar um dia?

Levará tempo antes que tudo fique claro. Agora apenas dizemos isto: estaremos tristes por deixar o Brasil. Queremos voltar".


Veja mais sobre o grupo em http://www.livingtheatre.org/