2.10.08

Irène Némirovsky: identidade e auto-ódio judaico


A vida da escritora Irène Némirovsky confirma que é impossível, em certos momentos históricos, renegar o judaísmo. Questões de identidade e pertencimento, amor e ódio, rejeição e obsessão, avultam com tamanho impacto que o tema passa a suscitar novas reflexões. Agora mesmo, o Museum of Jewish Heritage - A Living Memorial to the Holocaust, em Nova York, inaugurou a exposição Woman of Letters (que vai até 22 de março de 2009) sobre a vida e a obra da escritora. Nascida em 1903 em Kiev, de família abastada com a qual emigrou para a França após a Revolução comunista, tornou-se uma celebridade literária nos anos 30 e morreu em Auschwitz em 1942, embora tivesse se convertido ao catolicismo e sido colaboradora da imprensa anti-semita francesa.

Ao ser presa, Irène deixou uma pequena mala com fotos de família, um diário e o manuscrito da Suíte Francesa (no Brasil, edição da Companhia das Letras, tradução de Rosa Freira D'Aguiar), redescoberto pela filha Denise e publicado em 2004. Antes de ser obrigada a fugir da Paris ocupada pelos nazistas para o interior, Irène, que havia sido educada em francês, na melhor tradição da classe dominante russa, publicara mais de dez romances, alguns deles repletos de personagens judeus estereotipados, tipos avarentos e desqualificados.

Suíte Francesa, escrito durante a guerra, é, ao contrário, um livro cheio de empatia pelo sofrimento humano, com a ótica de alguém que, tendo mudado de lugar social, se vê num beco sem saída. Quando Irène foi presa, em 1942, o marido chegou a ir até o embaixador alemão pedir sua libertação, alegando que ela, além de ter se convertido, jamais escrevera nada que fosse generoso em relação aos judeus. Então, por que uma exposição nos EUA sobre essa mulher cuja empatia chegou tarde demais, e que foi “amiga dos carrascos” antes de ser lançada na mesma vala comum dos outros judeus que tanto desprezava?

A controvérsia precedeu a exposição, já que museus do holocausto costumam caracterizar-se por passar mensagens claras e não ambíguas. A explicação do diretor David Marwell e da curadora Ivy Barsky para sua opção de realizar a mostra foi a seguinte:

“Quando se é responsável, como nós somos, por narrar a complexa e difícil história que é o tema do nosso Museu, aprende-se seguidamente que o contexto é crucial. Em nossa exposição sobre Irène Némirovsky, contamos a história de uma mulher verdadeira que viveu numa época e num lugar específicos e foi confrontada com desafios inconcebíveis e inimagináveis.

A popularidade monumental da Suite Francesa e o intenso interesse pela vida da autora deram-nos aquilo que chamamos, em educação, de um momento didático – uma oportunidade de influenciar aqueles que se sentem intrigados por Némirovsky, aqueles que de outra maneira não cruzariam nossas portas, e envolvê-los no diálogo. Essa é uma oportunidade de reunir um rosto a um nome, e de contar a fascinante história dessa família e dessa vida literária, que foi, todavia, muito curta”.

Vale a pena entrar no site do Museum of Jewish Heritage para ver páginas do manuscrito da Suíte Francesa e ouvir o depoimento de Denise sobre a mãe. http://www.mjhnyc.org/irene/index.htm