Língua em extinção? Língua dos oprimidos dos guetos europeus? Durante as décadas seguintes à Segunda Guerra, parecia que ninguém jamais voltaria a ler livros em idish ou a traduzir autores seculares da literatura idish. Mas não foi o que aconteceu – graças a gente como o norte-americano Aaron Lansky, que conta em Outwitting History – the amazing adventures of a man who rescued a million yiiddish books (Algonquin Books) como ele e sua equipe, a princípio minúscula, salvaram da destruição um milhão e meio de livros em idish e fundaram o hoje importante National Yiidish Book Center (sediado em Amherst, Massachussetts, http://www.yiddishbookcenter.org/).
No Brasil também há gente preocupada com o idioma, caso de Genni Blank – que traduziu e reorganizou a obra Ídiche, Uma Introdução ao Idioma, Literatura e Cultura - Aprendizado Sem Mestre, de Sheva Zucker, cujo segundo volume acaba de ser lançado, com 506 páginas e dois CDS incluídos.
Os livros são um método de auto-aprendizagem: ouve-se a pronúncia do idioma e conferem-se as respostas dos exercícios e das interpretações dos textos. O volume II contém novas lições, provérbios e expressões idiomáticas, anedotas, trechos de autores famosos como Isac Bashevis Singer e Sholem Aleichem, tabela para conjugação de mais de 500 verbos e glossário. As canções vêm no original, com tradução, transliteração e partituras. Há ainda um capítulo sobre o Holocausto, com trechos da última carta de Mordechai Anilevitch antes da aniquilação do Gueto de Varsóvia.
[Aquisição via blankge@yahoo.com.br ou Sinagoga de Copacabana, telefone 2255-0191. O preço é R$85,00. O Volume I está sendo vendido a R$ 90,00]
[o dicionário Aurélio grafa ídiche, mas outras fontes ficam com idish, transliteração clássica, daí as duas grafias que aparecem aqui]
RELATO DE LANSKY
Para Lansky – que começou sua missão-resgate aos 23 anos, em 1980 – a literatura idish representa uma parte fundamental da história cultural ashkenazi. É engraçado e comovente seu relato de algumas das centenas de visitas feitas por ele e dois ou três colegas, dirigindo caminhões alugados, a idosos em seus pequenos apartamentos em Nova York e Nova Jersey, ou a bibliotecas comunitárias e galpões de editoras fechadas, onde riquezas literárias jaziam cobertas de poeira e mofo. Pelos idosos, era sempre recebido com lautas refeições; em suas cozinhas compreendeu a inutilidade de recusar-se a provar mais um bocadinho de arenque ou de torta de maçã e abriu os ouvidos para nostálgicos relatos que os filhos não queriam mais ouvir.
A missão de Lansky também o levou ao Canadá, a Cuba, à União Soviética antes da queda do Muro de Berlim, e a fazer centenas de palestras nos EUA, pedindo apoio e recursos, que custaram a chegar. No começo, as doações eram pequenas; com o tempo, grandes patrocinadores (como a Fundação Spielberg) aderiram à causa. Mais tarde, seu Centro passou também a fornecer livros: a comunidade judaica lituana, por exemplo, os usou para formar clubes do livro em idish, devidamente animados por velhos professores que haviam “esquecido” o idioma durante o período soviético.
Nos anos 1990, os livros já eram recolhidos também em mansões ajardinadas nos subúrbios afluentes dos EUA, onde ninguém mais oferecia comida à equipe e netos adolescentes espantavam-se por seus avós, que lhes pareciam iletrados devido ao sotaque carregado, terem um dia lido “tudo aquilo” guardado no porão. Como o trabalho de coleta era fisicamente pesado (a equipe não contava com empregados) e como a “herança” literária pouco significaria se não pudesse ser apreciada pelas gerações seguintes, Lansky passou a oferecer estágios a jovens e a criar um novo e atraente tipo de informação cultural.
“As vezes o idish parecia um teste de Rorschach: os jovens, especialmente, viam nele o que queriam ver. Para os ateus, era o judaísmo sem religião; para as feministas, o judaísmo livre de patriarcado; para os desconfortáveis com a política israelense, o nacionalismo sem sionismo; para os socialistas, a voz da luta proletária; para os radicais mais contemporâneos, um shtoch no establishment ”.
O trabalho do Centro mostra que o idish foi muito além dos escritores mais conhecidos. Foi o idioma de uma vasta produção revolucionária (socialista e bolchevique) no início do século XX e de uma rica bibliografia histórica, política e sociológica, que aos poucos começa a ser traduzida para o inglês. É Lansky quem dá um exemplo:
“Numa noite quente de verão me trouxeram um tomo enorme intitulado Leksikon fun politishe um fremdverter (Dicionário de Terminologia Política e Estrangeira), organizado por Dor-Ber Slutski, publicado em Kiev em 1929. Com quase 1.100 páginas, era o sonho de qualquer estudioso: um dicionário mostrando exatamente como os judeus percebiam o mundo ao seu redor num momento de grandes mudanças sociais e políticas”.
Lansky acabou descobrindo que toda a edição fora recolhida pela polícia soviética. Nenhuma cópia havia sobrado. Ao tomar conhecimento disso, seu coração disparou: afinal, uma cópia havia sobrado, sim, e estava com ele!
“Escondi o livro, tranquei a porta, liguei o alarme contra assaltos....Como a obra sobrevivera, e como chegara ao Centro? Colocamos um anúncio no Pakn Treger, nossa revista em inglês, pedindo informações. Dois dias depois, recebi um telefonema de uma mulher de Long Island. O livro, informou ela, pertencera ao pai, que em 1929 fora à União Soviética, onde vivia seu primo Slutski. Ambos estavam numa gráfica de Kiev quando as primeiras cópias saíram da impressora, e o primo deu-lhe uma de presente...Ele a trouxe consigo para Nova York e a guardou em sua biblioteca pessoal até morrer. A filha então enviou-a ao Centro, onde nossos estagiários a descobriram dentro de um despretensioso pacote de livros em idish”.