22.12.09

Memória e História


Um dos grandes mestres da História judaica, Yosef Hayim Yerushalmi morreu em Nova York no último dia 8 de dezembro, aos 77 anos. Reconhecido pela rara combinação de erudição, brilho analítico e texto agradável de ler, ele abre assim o primeiro capítulo do livro “O Moisés de Freud – Judaísmo Terminável e Interminável” (editora Imago, tradução de Júlio Castañon Guimarães).

Em uma conversa que deve ter ocorrido em torno de 1908, Freud contou a Theodor Reik a seguinte piada:

Perguntaram ao menino Itzig na escola: “Quem foi Moisés?” Ele responde: “Moisés era filho de uma princesa egípcia”. “Isto não é verdade”, diz o professor. “Moisés era filho de mãe hebréia. A princesa egípcia encontrou o recém-nascido em uma cesta.” Mas Itzig responde: “É o que ela diz!”

A piada nos chama a atenção por dois aspectos; em primeiro lugar, o precoce Itzig parece já mostrar talento para o que Paul Ricoeur, referindo-se ao próprio método de Freud, chamou elegantemente de “hermenêutica da suspeita”; e em segundo lugar, porque foi Freud, afinal, quem nos ensinou a levar a sério as piadas[...]

Freud sugeriu em "Moisés e o Monoteísmo", diz Yerushalmi, que havia quase uma transmissão genética de memórias inconscientes. Essa transmissão explicaria para Freud, prossegue o historiador, “o poderoso sentimento de que, para o bem ou para o mal, um indivíduo jamais pode efetivamente deixar de ser judeu”.

Yerushalmi, nascido no Bronx de pais russos, foi por 28 anos o influente diretor do Centro de Estudos Judaicos e de Israel da Universidade de Colúmbia. Autor de interesses abrangentes (sua dissertação de doutorado foi sobre o médico marrano Isaac Cardoso), seu trabalho mais citado são as reflexões sobre a memória coletiva do povo judeu, Zakhor: História Judaica e Memória Judaica, que examina o conflito entre o vigoroso (e não verificável) relato coletivo judaico, pleno de emoções e paixões, e a História propriamente dita, com sua exigência de evidências.