6.12.08

Presença de Leon Hirszman


Com uma projeção do longa-metragem São Bernardo , foi lançado em 4 de dezembro, no Rio de Janeiro, o segundo DVD de títulos restaurados pelo projeto Leon Hirszman. Como este não é um blog sobre cinema, não é porque São Bernardo foi um filme inesquecível que faço esse registro. É porque Leon foi uma figura de importância fundamental para o cinema brasileiro e, sempre retratando o povão em todas as suas variáveis, foi também um “mensch” (pessoa honrada, “gente”) na mais plena acepção da palavra judaica.

A estética de Leon foi influenciada por sua postura ética e uma visão humanista de esquerda construída desde a infância. Tivesse ele nascido nos EUA e a crítica talvez o qualificasse de Jewish-American (como às vezes faz com Woody Allen). Mas no Brasil, para o bem e para o mal, as origens ficam diluídas, e o “ser” judaico de Leon pouco foi abordado, até mesmo porque as questões existenciais foram relegdas a segundo plano pelas urgências políticas e sociais de sua época na América Latina. A exceção é o livro O Navegador das Estrelas (editora Rocco), de Helena Salem, emocionado e objetivo ao mesmo tempo. Helena entrevistou dezenas de pessoas que conviveram com o cineasta, inclusive suas irmãs, Shirley e Anita, e situou vida e obra de Leon sobre um significativo painel sócio-cultural.

Leon nasceu no Rio em 22 de novembro de 1937, filho de imigrantes poloneses, e estudou no Colégio Israelita Brasileiro Scholem Aleichem, na Tijuca, onde a família morava. O pai tinha uma pequena sapataria em Vila Isabel e todos os dias, na hora do almoço, a mãe pegava o bonde na rua Haddock Lobo para levar-lhe a comida recém-preparada. A convivência com as idéias de esquerda do pai (que perdeu toda a família em campos de concentração) e a religiosidade materna ajudaram-no a forjar uma atitude de aceitação dos opostos: era anti-machista, anti-preconceituoso, anti-autoritário. Dizia que o pai influenciara seu engajamento social e sua repulsa a qualquer forma de obscurantismo.

Em entrevistas, contava que acordara para o cinema em 1954, com o movimento para a liberação pela censura do filme Rio 40 Graus, de Nelson Pereira dos Santos. Quando se tornou um dos fundadores da Federação de Cineclubes do Rio de Janeiro, em 1958, era estudante de Engenharia e fazia parte de um grupo de jovens que queria discutir e produzir um cinema brasileiro com linguagem e temática próprias, longe dos padrões hollywoodianos.

Meio século depois, dá para dizer que eles foram bem sucedidos e deixaram uma herança bendita (Leon Hirszman faleceu em 1987).

Prêmio para A Chave de Casa


Assinado por Mônica Grin e Michel Gherman, coordenadores do NIEJ, recebi o seguinte mail:

É com prazer que a coordenação do Núcleo Interdisciplinar de Estudos Judaicos da UFRJ (NIEJ) divulga as recentes premiações de duas de nossas pesquisadoras associadas, Tatiana Salem Levy e Kátia Lerner. Tatiana ganhou o Prêmio São Paulo de literatura de melhor romance de autor estreante com o seu A Chave de Casa. Abaixo, um brevíssimo resumo do livro:

“Neta de judeus da Turquia e filha de comunistas do Brasil, a narradora recebe do avô a chave que abriria a porta da casa de Esmirna, para onde os avós fugiram durante a Inquisição (tal como os pais fugiram para Lisboa, anos mais tarde e por motivos diferentes). A autora faz desta procura pelas raízes da família o início de uma viagem de questionamento sobre si própria.”

Kátia Lerner ganhou o Prêmio Mário de Andrade, lançado pelo MinC, através do Iphan, e com apoio da Associação Brasileira de Antropologia (ABA), com a sua excelente tese de doutorado "Holocausto, memória e identidade social: a experiência da Fundação Shoah.

Como já li o livro de Tatiana, vou dar um palpite: ele é ousado, instigante, bem pesquisado, bom de ler, cheio de "pertencimento". E sem aborrecidos discursos edificantes. Foi elogiado por críticos do quilate de Moacyr Amancio. É o tipo de boa literatura que o meio de origem às vezes custa a absorver. Agora, com o prêmio, tomara que os judeus também corram para comprar A Chave de Casa.

Judeus: milênios de liberdade na Índia

Em artigo no site do The New Republic (www.tnr.com/politics) Naresh Fernandes, editor do Time Out Mumbai e cristão, comenta que a história milenar dos judeus na Índia comprova a liberdade de todas as religiões no país, Os judeus indianos, que têm bastante proeminência em Mumbai, onde ocorreram os recentes atentados, nunca sofreram perseguições. Entre eles estão os Bene Israel, que acreditam descender das vítimas de um naufrágio ao sul de Mumbai, em 175 a.C. Fiéis seguidores dos preceitos religiosos, eles falam uma das línguas indianas, o marahati, as mulheres usam saris, sua dieta é à base de arroz e curry. Em Mumbai, têm uma sinagoga construída em 1796. A comunidade Bene Israel produziu vários atores de Bollywood, músicos, políticos e um de seus membros mais conhecidos foi o poeta Nissim Ezekiel.

Segundo Naresh, havia cerca de 25 mil judeus na Índia em 1947, ano da independência, e o número caiu para 5.271 in 1991, devido à aliá. Os que ficaram, diz ele, estão perfeitamente inseridos na sociedade local e têm uma relação ambígua com Israel. E, quer sejam liberais, quer sejam ultra-ortodoxos, não se identificam de maneira nenhuma com os milhares de jovens mochileiros israelenses que anualmente viajam ao país depois do serviço militar e percorrem das praias de Goa às cidadezinhas no sopé do Himalaia (onde uma das atrações é a facilidade de adquirir drogas a preço baixo).

Pilar Rahola: guerra permanente contra o anti-semitismo

A catalã Pilar Rahola foi uma das convidadas do Quinto Congresso de Estudos Judaicos, tradicional encontro organizado pela professora Helena Lewin na UERJ. Como não pude assistir a nenhuma das mesas-redondas, lembrei de uma matéria que fiz com Pilar há cinco anos, no Rio. Dizem-me que ela continua a esgrimir com contundência seus pontos de vista (considerados reducionistas por alguns críticos) contra o anti-semitismo europeu e o integrismo islãmico. O reducionismo se explica pela necessidade de produzir imagens fortes e facilmente compreensíveis. Se isso combate com eficácia o anti-semitismo, não dá para garantir, mas seus muitos admiradores entre os judeus dizem que sim.

Vejam a matéria, publicada em O GLOBO em 22/10/2204, e tirem suas próprias conclusões.

Da Catalunha com paixão
Sorriso radiante, decote profundo, metralhadora verbal que atira em todas as direções, a escritora e jornalista catalã Pilar Rahola é famosa na Europa pela paixão com que defende suas causas variadas. Aos 46 anos, essa feminista pós-moderna, ex-militante da Izquierda Republicana Catalana --- partido pelo qual foi deputada e vice-prefeita de Barcelona – corre mundo denunciando tudo o que considera injusto e perigoso. Numa noite pode estar na TV espanhola, jurando boicotar para sempre os filmes de Pedro Almodóvar, porque ele, horror dos horrores, matou sete touros para rodar Fale com Ela. No dia seguinte voa para o Rio, ou Nova York, em campanha contra o integrismo religioso islâmico, que considera a maior ameaça para a humanidade neste início de século XXI.

“Se Deus existe, é mulher, negra, lésbica e pobre” – proclama, com a segurança de filha da alta burguesia católica, mãe de três filhos, que descobriu o feminismo “não por trauma pessoal mas por solidariedade”.


Para manter o equilíbrio em meio a uma agenda superlotada (só em 2003, cruzou o Atlântico 15 vezes), Pilar Rahola corre nove quilômetros diários na esteira do ginásio instalado nos fundos da casa de Badalona, em Barcelona, enquanto assiste na telinha aos programas femininos matutinos cujos lugares-comuns desanca em colunas nos jornais El País, El Periódico e Avui. A TV faz parte do “enxoval” do segundo marido, empresário basco com quem só se casou por exigência do governo russo, quando o casal foi à Sibéria adotar Ada, a terceira filha, hoje com 4 anos.

Pilar tem outros dois filhos, Noé, 12 anos, também adotado, e Sira, 24 anos, do primeiro casamento. Viajante incansável (esteve 20 vezes no Oriente Médio, cobriu conflitos como o dos Bálcãs e a guerra Etiópia-Eritréia), gosta de promover roteiros culturais familiares pela Europa. Antes das controvertidas declarações de José Saramago sobre os judeus e o Holocausto, feitas durante visita aos territórios palestinos, Pilar seguiu com Sira, em Portugal, todo o percurso do livro Memorial do Convento, lendo em voz alta, emocionada, as descrições do escritor. Agora, não hesita em defini-lo como “o exemplo mais relevante de que alguns podem escrever como anjos e pensar como perfeitos imbecis”.

Segundo Pilar, o anti-semitismo da esquerda européia, expresso por Saramago, é uma questão mal resolvida que remonta à Inquisição. Atribui ao anti-semitismo, na esteira da crise Israel-palestinos, a condescendência do pensamento politicamente correto ante o integrismo religioso islâmico, “o maior risco vivido pelo mundo desde o nazismo e o stalinismo”. A esquerda, acusa, repete erros do passado ao flertar com uma ideologia que desafia a modernidade.

As acusações, reiteradas no Rio durante palestra no Hotel Glória, a convite do Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ, não vêm embaladas em sisudez. Gestos expansivos, bem humorada, Pilar se define como uma libriana veemente, igualmente pronta a bradar contra o uso político da religião e a sonhar a utopia que descreve no livro Mujer liberada, hombre cabreado (editora Planeta, 2000):

-- A grande revolução do século XXI será a descoberta do homem por si mesmo, porque o machismo destruiu a mulher e o homem. A maior revolução feminina será a revolução do homem, que precisa libertar-se de seus medos, de sua necessidade de domínio, de sua insegurança. Por enquanto não existe esse homem novo, o que existe é o homem desconcertado com a mulher que exige responsabilidade compartilhada em casa, descobriu o orgasmo e compete no mercado de trabalho. É muita coisa para ele! A mulher suportou ser dominada por dois mil anos, mas depois que se levantou não vai voltar atrás.

Graças a uma campanha de que Pilar participou ativamente, o novo Código Penal da Espanha, de 1996, incluiu um artigo tipificando como delito penal a violência doméstica, antes considerada “falta” civil cuja única conseqüência era a multa, embora mate mais mulheres espanholas entre 25 e 35 anos que o câncer de mama . O “machismo criminoso” ibérico não cede facilmente. Um aspecto dele, adverte Pilar, são as touradas, responsáveis pelo fim de seu “idílio” com Pedro Almodóvar e pela ira com que os homens espanhóis a criticam:

-- Se tourada é cultura, então canibalismo é gastronomia – afirma.

Boa parte das posturas de Pilar talvez venham da valorização das mulheres em sua família, que teve membros fuzilados e empresas confiscadas durante a Guerra Civil:

-- Crescemos, eu e minha irmã, numa casa livre, onde se discutia de tudo no almoço e no jantar, embora do lado de fora existissem a educação católica e a ditadura de Franco. Aprendi com meu pai o sentimento da solidariedade. Um dia ele me disse que eu era judia, querendo dizer que assim devia me sentir para entender o que os judeus tinham sofrido.

A vida familiar incluía verões em Cadaquès, na quinta vizinha à de Salvador Dali, hoje museu, cujo muro pulava com as amigas, para conversar com o pintor. Estudante da Universidade de Barcelona, formou-se em Filologia Hispânica e Catalã, conheceu o mundo de mochila nas costas, bebeu na fonte de Simone de Beauvoir/Segundo Sexo e descobriu a dificuldade masculina de conviver com mulheres liberadas e bem sucedidas.

Para promover os direitos femininos no presente, diz, é preciso ir além do nível pessoal e defender primeiro o Estado laico. Daí o apoio à proibição do véu islâmico nas escolas francesas e a indignação com governos que proíbem o aborto legal, “o que leva milhares de mulheres à morte em abortos clandestinos”. Nenhuma fé, acrescenta, tem o direito de dar ordens a cidadãos livres. “Deuses em casa, leis na rua” é o lema do pacto republicano cujo rompimento seria trágico para o mundo, inflama-se. Em viagem recente ao Chile, comprou briga com a Igreja católica, que dificulta a aprovação do divórcio no país.

Pilar liderou a campanha que acabou tirando das livrarias da Espanha, há quatro anos, o livro em que um imã islâmico, com milhares de seguidores entre os imigrantes pobres norte-africanos, defendia o “espancamento leve” das mulheres pelos maridos em casos de “mau” comportamento.

A livre circulação no Oriente Médio de livros como o do imã – ou do Mein Kampf, de Hitler, e dos apócrifos Protocolos dos Sábios de Sião – não chega a espantar Pilar, por ocorrer numa região governada por “ditaduras despóticas e teocráticas que alimentam o fanatismo”. O que a espanta é a convivência dos europeus com os imãs mais fundamentalistas. Estes, financiados pelos sauditas, expulsaram as lideranças progressistas das organizações comunitárias islâmicas em várias cidades européias. As maiores vítimas do pensamento integrista são as mulheres:

-- Há hoje 135 milhões de mulheres vítimas de mutilação genital no mundo. Milhares de moças que vivem na Europa são enviadas todos os anos pelas famílias aos países de origem, principalmente na África, para a circuncisão do clitóris, um processo doloroso e arriscado, um crime. Por que aceitamos que isso continue? Dói-me que a dor feminina seja silenciosa e não tenha espaço na agenda política. Ainda existe lapidação feminina por adultério e isso não parece preocupar ninguém. Essa é uma das minhas broncas contra a ONU, organização tão inútil que recentemente nomeou a Líbia para presidir uma comissão de direitos humanos!

Ao mencionar a Líbia, Pilar Rahola ressalva: não sofre de islamofobia, “doença” que vitimou a jornalista italiana Oriana Fallaci. O que a jornalista catalã diz combater é “o islamismo paranóico, que pode destruir o Islã, assim como o nazismo quase destruiu a Europa e o stalinismo destruiu nossas utopias”. Acredita no sucesso de sua cruzada para que os pensadores de esquerda abandonem de vez a idéia de que os integristas, inclusive na sua vertente terrorista, representam algum tipo de rebelião dos pobres contra os ricos:

-- Na verdade, estamos diante de um fenômeno alimentado por elites milionárias e ditaduras que estão no poder há meio século e agora usam celular e tecnologia de ponta para praticar uma política medieval. O terrorismo é planejado para destruir a liberdade, não para distribui-la.

23.10.08

Samuel Rawet, o erudito suburbano de escrita extremada


Acima, passaporte com que Sura Rawet chegou ao Brasil na companhia de três filhos

Se Samuel Rawet tivesse vivido na França ou na Itália, haveria placas de bronze e ônibus de turistas literários à porta das casas de sua infância e juventude no subúrbio carioca de Olaria. Mas o “writer’s writer” de texto contundente e apaixonante, o erudito leitor de Buber e Spinoza, é por ali um ilustre desconhecido. Aliás, desconhecido – e, mais que isso, incompreendido e rejeitado -- ele também foi, durante muitos anos, pela comunidade judaica.

Como o Museu Judaico fará uma mesa-redonda sobre sua obra [dia 28, terça-feira, às 18 horas], aproveito para sintetizar aqui alguns aspectos da trajetória de Rawet, de quem foram lançados em 2008 os Ensaios Reunidos (editora Civilização Brasileira, organização de Rosana Kohl Bines e José Leonardo Tonus) e Samuel Rawet: fortuna crítica em jornais e revistas (editora Caetés, organização de Francisco Venceslau dos Santos). O livro da Caetés foi selecionado pelo Programa Petrobras Cultural na área de Preservação e Memória, que difunde conteúdos e acervos de interesse da memória das artes no Brasil.

DIVISOR DE ÁGUAS

Ao chegar de Klimontow, Polônia, em julho de 1936, em companhia da mãe, de um irmão e uma irmã, o menino anotado como Szmil Urys no passaporte materno tinha sete anos e só falava idish, língua na qual se alfabetizara. O pai começara no Brasil como clientelchik – vendedor a prestação de porta em porta – e depois teve lojas de móveis; o menino, leitor ávido, cresceu detestando tudo o que se referisse a comércio e a dinheiro.

Rawet estreou em 1950 -- com crônicas, críticas teatrais, editoriais e contos -- na revista O Espelho, do Grêmio Cultural e Recreativo Stefan Zweig, que funcionava no Centro Israelita dos Subúrbios da Leopoldina. As ruas onde a família viveu, em casas pequenas, alugadas, continuam empoeiradas e quentes, com seus nomes sonoros (Lígia, Leonídia, Andorinhas). As residências também continuam ali, mas é outro o perfil demográfico. A sinagoga da rua Juvenal Galeno, em frente à casa de vila onde os Rawet moraram, ainda funciona aos sábados, mantida pelos antigos moradores, em sua maioria filhos de imigrantes do leste europeu.

Se a vida comunitária e o som das rezas marcaram Rawet, também o marcou o estranhamento do universo brasileiro, e o apelido incômodo que deu título a Gringuinho, relato de exclusão que integra Os Cem Melhores Contos Brasileiros do Século (Editora Objetiva, seleção de Ítalo Moriconi). Gringuinho foi publicado pela primeira vez em Contos do Imigrante, de 1956. Ano que, recorda o romancista Esdras Nascimento, leitor apaixonado de Rawet, foi apontado como um divisor de águas da literatura brasileira por causa da publicação de duas obras: Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa, e de Contos do Imigrante.

Rosa e Rawet, juntos: a comparação não era pouca coisa para um escritor de 26 anos que se formara em Engenharia e cuja língua materna parecia fadada à extinção depois do Holocausto!

Rawet desejava ser brasileiro, mas não um brasileiro aburguesado, convencional, e sim um carioca livre das injunções familiares, dono e senhor de ruas, becos, botequins e sexo pago na Cinelândia. Repudiava a erudição para exaltar uma simplicidade que, de fato, nunca teve. “Sou fundamentalmente suburbano. Eu aprendi português nas ruas, apanhando e falando errado, e acho essa a melhor pedagogia. Eu aprendi tudo na rua” -- disse em entrevista ao escritor Flávio Moreira da Costa, jornal Correio da Manhã, 18/06/1972.

Por algum tempo, foi fiel à Lei do clã. Aluno brilhante, fez carreira bem sucedida como integrante da equipe que construiu Brasília. Foi o principal calculista do Congresso Nacional, tendo participado também de importantes projetos na França e em Israel. Até que um dia largou tudo. Segundo relatou numa entrevista, sua gota d’água existencial foi a visão, no final de uma escadaria da futura capital, de Oscar Niemeyer, Lucio Costa e Joaquim Cardozo: ele, outsider de ego fraturado, não queria mais caber no quadro de senhores tão contentes consigo mesmos...

Nunca usou seus vastos recursos literários para idealizar o passado. Para ele, o shtetl ancestral já embutia a ingratidão, a perfídia, os males do mundo: “Ah, as neves da minha infância, ah, as doçuras das varadas que levei porque chutei uma bola na rua. Foram contar ao velho barbudo (já então havia delatores), e o homem espumou na sala do prédio da sinagoga...”, recorda, no ensaio Devaneios de um solitário aprendiz da ironia (1970), em que fala da teoria da consciência unificada no mesmo parágrafo em que lembra a humilhação e o gozo de saber-se homossexual.

Proclamou seu rompimento com o mundo judaico que conhecera (e não com o judaísmo em geral, como alguns entenderam erroneamente), ao publicar, em 1977, o ensaio Kafka e a mineralidade judaica ou a tonga da mironga do kabuletê. “Estou farto de pathos, farto de ahhs!, ohhhs!, uhhhs!, arreganhos de dentes, deboches (....)”, escreveu então. Anunciou que não queria mais saber de amigos judeus, comida judaica, negócios imobiliários judaicos...

Deus não existia, Freud era uma fraude, escreveu um dia. O que existia era a escrita vertiginosa, o mergulho sem rede, em tantos pontos similares aos de outros intelectuais atormentados. A imaginação delirante venceu aos poucos a sanidade. Foi um Samuel Rawet solitário que morreu em 1984, em Brasília. Mas não estava inteiramente isolado, pois os amigos escritores se preocupavam com ele e o acolhiam.

Se o poeta beat Allen Ginsberg, seu contemporâneo, homenageou a mãe, morta num hospício, com o Kaddish canônico, foi aos israelenses vivos que Rawet -- igualmente marcado pela doença mental da mãe -- dirigiu seu Kadish – Oração pelos vivos das Olimpíadas de Munique. As flores de retórica, as preces e o pranto são inúteis para os mortos, escreveu então, novamente “jovem”, novamente sionista, eternamente inquieto no difícil espaço entre pertencimentos díspares.

Retratos da Segunda Guerra







Acima, Carlos Scliar, artista plástico que serviu na FEB (Força Expedicionária Brasileira), em inaguração de uma exposição às vésperas do embarque para a Itália, em 1944. E obras da série Cadernos de Guerra, inclusive auto-retrato (1945), nanquim sobre papel.

O cabo de artilharia Carlos Scliar, nascido em 1920 em Santa Maria da Boca do Monte, Rio Grande do Sul, desenhava até em papel de pão tudo o que observava no front italiano [no que seria a série Cadernos de Guerra]. O jovem que se tornaria um dos mais importantes artistas plásticos brasileiros é um dos personagens do livro Soldados que vieram de longe – os 42 heróis brasileiros judeus da Segunda Guerra Mundial, recém-lançado pelo professor Israel Blajberg, engenheiro e membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil.

O olhar sensível de Scliar não se voltou para cenas de batalhas nem gestos heróicos, mas para a gente simples e as paisagens do campo, ou para seus companheiros. Nas palavras do escritor Rubem Braga, então correspondente de guerra, os desenhos eram “evocações sóbrias” que comoveriam, “longe no tempo, os homens que viveram a bela e amarga aventura”.

Dos 42 soldados brasileiros judeus relacionados por Israel Blajberg, 13 ainda estão vivos. Filhos de imigrantes, eles nunca constituíram um grupo, pois a maioria não se conhecia. O livro recolhe deles as histórias que considera importantes. Como a do tenente de artilharia Salli Szajnferber, que participou do mais sangrento combate da FEB, com 574 baixas entre mortos e feridos, e foi o responsável por efetuar a prisão de 200 alemães.

Há casos como a repercussão da convocação dos irmãos Alberto e Moyses Chahon. A mãe deles, Matilde Gammal Chahon, a quem fora concedida a possibilidade de indicar apenas um dos filhos para ir à guerra, anunciou sua decisão, exaltada pela imprensa patriótica da época: “... ou vão os dois ou não vai nenhum ...”

Outra história é a do sargento de infantaria Jacob Perlmann, de Niterói: falando em ídiche a prisioneiros alemães, disse-lhes que poderia atirar neles, mas não o faria. "Se fossem vocês que tivessem me aprisionado, teriam me matado aqui ou num campo de extermínio, pois sou brasileiro e judeu. E é exatamente por ser brasileiro e judeu que não vou fazer isso com vocês".

15.10.08

Oitenta anos de Scholem Aleichem (o colégio, não o escritor!)




[fotos de “delegação” do Scholem Aleichem à Embaixada de Israel, 1958, e do professor Moysés Genes nas Olimpíadas Intercolegiais de 1971, na Hebraica].

Há pessoas cuja marca vai crescendo com o tempo, até se tornar lenda e ponto de inflexão para novas avaliações históricas. Esse é o caso do professor Moysés Genes, que dirigiu o Colégio Israelita Brasileiro Scholem Aleichem de março de 1948 a julho de 1973. Não que ele, homem modesto, tenha buscado esse tipo de reconhecimento; mas o fato é que seu trabalho intenso, sua paciência e sua obstinação (ou teimosia, diriam os adversários) foram essenciais para um projeto pedagógico judaico laico muito bem sucedido durante décadas. O projeto do Scholem (que existiu também em outras cidades) floresceu com a utopia da construção do socialismo e decaiu em meio à acentuação das divergências no seio da esquerda e à mudança na mentalidade das classes médias judaicas.

Se não tivesse encerrado as atividades em 1995 (com a responsabilidade sobre o patrimônio entregue ao colégio Liessin, que vendeu o prédio da rua Professor Gabizo), o Scholem estaria completando 80 anos. O 80º. aniversário (junto com os 89 anos do professor Genes, como ele é chamado) será celebrado em festa na Hebraica no dia 1º. de novembro. Quem freqüentou o Scholem, meu caso, recorda como ele foi importante para congregar várias centenas de famílias que queriam dar aos filhos uma educação judaica aberta, democrática, baseada em cultura e não em religião. Ali, o levante do gueto de Varsóvia era um momento heróico muito próximo, sempre emocionante. O que não significava, na visão do professor Genes, obedecer, sobretudo depois da Guerra dos Seis Dias, à posição anti-sionista dos primórdios do judaísmo progressista. Isso, e muito mais, é o que ele mostra no alentado livro de memórias que lançou em 2002, O 11º. Mandamento (Editora Espaço e Tempo).

Para quem tem menos de 40 anos, as dezenas de entrevistas que o livro contém, além das reflexões e dos relatos de fatos, comprovam que a história do povo judeu é muito mais complexa do que sugerem os rótulos aprisionadores. O pertencimento cultural e a ética podem incorporar a fé sem colocá-la no centro do universo. Assim, não é contraditório que o professor Genes abra seu texto com os Dez Mandamentos, e acrescente o décimo primeiro, “Dirás sempre a verdade”, que ele criou para nortear a própria vida.

Para quem passou dos 40 anos, e viveu a juventude na Tijuca e arredores, o livro, e a festa que se prepara na Hebraica, são uma tremenda viagem "amarcord"...

Siné de volta (por Leneide Duarte-Plon)


O desenho acima, de Jiho (Jacques Olivier), está no novo e irreverente jornal de Siné. Abaixo, a notícia sobre o sucesso de Siné, postada no excelente blog cultural http://bilhetesdeparis.blogspot.com/, da jornalista brasileira Leneide Duarte-Plon.

Quando Siné foi despedido de “Charlie Hebdo” pelo diretor do jornal, Philippe Val, sob acusação de anti-semitismo, o humorista e caricaturista mais irreverente da imprensa francesa decidiu que não iria calar a boca.

Sentindo-se injustiçado ao ser demitido de “Charlie Hebdo”, Siné abriu um processo contra Val e fundou um jornal tão irreverente e mal-educado quanto o dono. Como carimbo “Siné Hebdo” exibe um garoto levado fazendo caretas dentro de um círculo duplo onde se lê “Le journal mal élevé” (O jornal mal-educado). O número 1 de “Siné Hebdo” saiu dia 10 de setembro com uma capa em que uma caricatura sua faz um gesto obsceno com a mão que mostra um dedo e diz: “Olha eu de novo!”

E como prova de que os quatro números já publicados incomodam, os computadores da redação do jornal foram roubados no domingo, 5 de outubro. Obviamente, nos computadores estavam os textos do número que sai na quarta-feira, 8. Catherine Sinet, que é diretora de redação do jornal, já tinha denunciado à polícia uma série de ameaças recebidas por telefone de uma organização extremista judaica.

Com a saída do número 4 no dia 1° de outubro, o jornal contabiliza um mês de vida e mantém o nível de interesse dos leitores dispostos a apoiar o trabalho de um grupo de cartunistas e jornalistas revoltados com a acusação a Siné, ao qual se juntaram nomes como Michel Onfray e Michel Warschawski. O primeiro é um professor de filosofia, um iconoclasta de carteirinha, que escreveu, entre outros, um “Tratado de ateologia” e cujos livros e DVDs são best-sellers em toda a França difundindo a filosofia entre o maior número possível de leitores. Para isso, ele fundou uma universidade livre, totalmente gratuita, na cidade de Caen, a poucas horas de Paris.

Warschawski é um intelectual israelense, autor de diversos livros sobre o conflito israelo-palestino e defensor incondicional da causa palestina. No seu primeiro artigo para “Siné Hebdo”, o filho do rabino Warschawski diz que em seu artigo semanal não falará jamais do que se convencionou chamar “processo de paz”. “Siné me pediu uma coluna na qual falarei das realidades políticas, sociais e culturais dessa região do planeta na qual vivo, milito e escrevo. Ora, o “processo de paz” é exatamente o contrário de uma realidade: é vento, virtual, alguns diriam que ele é pura propaganda política”, escreve o escritor.

Há três meses, ao ser acusado de anti-semitismo, Siné reagiu energicamente:

"Quanto ao meu suposto anti-semitismo, nunca fui anti-semita, não sou anti-semita, nunca serei anti-semita. Condeno radicalmente os que são anti-semitas, mas não tenho nenhum apreço pelos que, judeus ou não, jogam irresponsavelmente essa palavra abjeta na cara de seus adversários para desconsiderá-los, sabendo que esta acusação é o insulto supremo depois do Holocausto (Shoah). Isso está se tornando insuportável. No que me diz respeito, tenho tanta antipatia por todos os que, judeus ou não, defendem o regime israelense, quanto pelos que defendiam o apartheid na África do Sul. Há mais de 60 anos luto contra todas as formas de racismo e se tivesse tido idade de esconder judeus durante a ocupação o teria feito sem hesitar, como o fiz pelos argelinos durante a guerra da Argélia. Estou do lado de todos os oprimidos!"

O jornal de Siné tem o mesmo formato do outro do qual ele foi expulso. E se continuar a vender e despertar o interesse dos leitores como o primeiro número, vai longe. No editorial do número 2, o cartunista informa que o número 1 foi um sucesso de vendas (151 mil exemplares) e que o fato de terem conseguido fundar o jornal com tão pouco dinheiro era um milagre que deveria continuar a ser apoiado pelos leitores.

No primeiro número, o cartunista se se congratulou com os leitores pela criação do jornal “mal-educado, impertinente, libertário, em cores e barato” (dois euros). Para continuar a viver sem nenhum anúncio publicitário como outro tradicional e respeitado jornal satírico “Le Canard Enchaîné”, “Siné Hebdo” só conta com o apoio de seus leitores. Siné escreveu um pequeno texto pedindo doações para a associação “Les mal-élevés”:

“Não tenhamos ilusão. Temos de contar com o silêncio da mídia. Muitas pessoas nos detestam e vão fazer tudo para nos sabotar”. O texto tem um título provocante: “Pare de beber (provisoriamente) e de fumar (se for possível) e envie o dinheiro economizado pra gente”.

Pedido de doações mais irreverente, impossível.

11.10.08

Judith Malina no Rio: trabalho é oração e louvor


Mito da contra-cultura nos anos 60 e 70, um ícone dos jovens que tinham como slogan o "é proibido proibir", Judith Malina, que junto com o marido Julian Beck criou o Living Theatre, esteve semana passada no Rio de Janeiro, onde recebeu uma medalha do Ministério da Cultura e deu um concorrido workshop para atores e diretores teatrais (organizado pela CAL no Sesc-Copacabana).

Todo o processo foi filmado pela cineasta Adriana Figueiredo, inclusive a emocionada chegada de Judith à sinagoga da ARI, em Botafogo, no final do Iom Kipur. Era uma tarde fria e a sinagoga estava cheia. Extremamente vital, olhos brilhantes e atentos, a miúda Judith, filha de um rabino e de uma ex-atriz que emigraram da Alemanha para os EUA em 1928, continua, aos 82 anos, anarquista, graças a Deus... Escreve tudo o que lhe acontece num caderno/diário (já tem 600 deles, alguns publicados). Jejuou no Iom Kipur, apesar de nao ter interrompido o workshop, pois vê seu trabalho como uma oração e um louvor ao Criador. Atualmente, o Living Theatre está apresentando, num espaço sem cadeiras e com total participação do público, o espetáculo Eureka, concebido sobre obra de Edgar Allan Poe por Hanon Reznikov, o segundo marido de Malina, e continuado por ela quando ele morreu em maio último.

Quando lhe perguntei se a religião não entra em contradição com sua vida radical (ela mantém até hoje todas as propostas do Living Theatre), ela respondeu que não, pois segue o que o coração lhe dita e não as regras fixas do judaismo rabínico. Ao acender as velas na sexta-feira à noite, não o faz porque é obrigatório, diz, mas para honrar a si mesma, aos ancestrais, e sentir-se unida às milhões de mulheres judias que o fazem no mundo inteiro.

Para quem não lembra, Judith e Beck foram expulsos do Brasil em 1971, por decreto do ditador Emilio Garrastazu Médici, depois de ficarem presos dois meses, acusados de prejudicar a ordem pública em Ouro Preto com seu grupo que fazia teatro nas ruas. Os "cabeludos" foram chamados de subversivos (ó palavra subitamente antiquada!) pelas autoridades locais. A medalha de agora não apaga o ocorrido, mas foi recebida com emoção por Judith, que diz gostar muito da criatividade dos brasileiros. Na ocasião da expulsão, ela escreveu o seguinte no seu diário:

“E assim teremos que deixar o Brasil. O julgamento continuará sem nós. O silêncio no Tribunal é pesado. O silêncio sombrio dos advogados está misturado de outros sentimentos. Nosso silêncio é igualmente estranho. Está quase tudo acabado. Deixamos Ouro Preto pela última vez. Nossos amigos, em grande número, reúnem-se em torno do ônibus [...] O ônibus sobe a rua Direita. Com o meu rosto apertado contra a janela do ônibus,as lágrima descem de repente. Eu amo o Brasil. Na Praça Tiradentes tudo está muito calmo. Dois estudantes estão sentados na base do monumento a Tiradentes. Quando nosso ônibus passa, um deles levanta a mão com o punho cerrado.

Quando chegamos ao DOPS, as luzes das câmaras e os flashs nos põem tontos. Repórteres, advogados, mil perguntas: quando? Quais as notícias oficiais? O que há sobre os brasileiros do grupo? Para onde vamos? Quando vamos ser soltos? O que significa ser banido? Poderemos voltar um dia?

Levará tempo antes que tudo fique claro. Agora apenas dizemos isto: estaremos tristes por deixar o Brasil. Queremos voltar".


Veja mais sobre o grupo em http://www.livingtheatre.org/

2.10.08

Paul Newman como herói de Israel



Meses antes da morte de Paul Newman, em 26 de setembro último, aos 83 anos, um dos seus personagens inesquecíveis tinha voltado à tona no mundo judaico: Ari Ben Canaan, que há meio século foi o protagonista do filme Exodus, baseado no livro de Leon Uris, foi muito citado pela mídia de Israel durante a celebração do 60º. aniversário do país, quase como se tivesse sido um herói da vida real.

Bonito, ousado, viril, desafiando os ingleses e derrotando os árabes, conquistando o coração de uma bela mulher enquanto comandava um navio repleto de sobreviventes do nazismo, o irresistível Newman/Ben Canaan parecia um mocinho de filme de faroeste transplantado para o Oriente Médio.

Se o roteiro do filme, e o livro, foram ou não inteiramente fiéis aos fatos, não importa. O que importa é que, em termos de imaginário coletivo, o filme, dirigido por Otto Preminger, se tornou um libelo favorável ao Estado de Israel. Com o livro, ajudou a forjar a percepção do público ocidental em relação à criação de Israel e ao sionismo. Em vez do antigo personagem judeu neurótico e vulnerável, sempre às voltas com perseguições reais e imaginárias, Exodus exibia um guerreiro ético, pronto para morrer em grande estilo por um projeto coletivo.

O fictício Ari Ben Canaan acabou ganhando status de mito fundador e representante de um povo. Numa cena do filme, ele fala dos fornos crematórios e da solidão dos judeus no pós-guerra. “Não temos amigos, só temos a nós mesmos. Lembre-se disso!” – diz a um companheiro da resistência judaica.

Leon Uris contava ter lido centenas de livros de História judaica e israelense antes de escrever seu romance em torno da viagem do Exodus e da luta pela criação de Israel. Publicado em 1958, o livro vendeu mais de 20 milhões de exemplares nos EUA nos anos seguintes e foi traduzido para dezenas de línguas.

McCain favorito entre os ortodoxos

Embora a maioria dos judeus norte-americanos tradicionalmente prefira os candidates democratas aos republicanos (a proporção é de quatro por um, segundo estimativas divulgadas pelo jornal Forward), a Republic Jewish Coalition (RJC) consegue levantar mais fundos que o National Jewish Democratic Council (NJDC). As duas organizações, criadas na década de 1980, não são obrigadas a declarar tudo o que arrecadam nem a identificar seus doadores, mas sabe-se que os judeus republicanos são financiadores mais generosos, como Sheldon Adelson, o bilionário dono de cassinos. De acordo com algumas fontes, a RJC arrecadou 4,5 milhões de dólares em 2006, contra 1,3 milhão da NJDC. A disparidade teria diminuído em 2008, mas ainda não há números finais disponíveis.

Entre os ortodoxos, John McCain é o franco favorito em relação a Barack Obama (78% contra 13%), segundo uma pesquisa do American Jewish Committee (mais detalhes em artigo de Eric Fingerhut no www.blogs.jta.org/politics). Segundo um pesquisador de opinião pública ligado ao Partido Democrata, Mark Mellman, os ortodoxos estão mais preocupados com Israel que os demais eleitores judeus, entre outras razões porque a maioria deles têm filhos ou outros familiares que emigraram para o país, e sentem mais confiança em McCain para defender os israelenses.

Um dos anúncios republicanos tem como título “Assessores de Barack Obama: pró-palestinos, anti-Israel, hostis à América”. O NJDC lançou, em Rosh Hashaná, uma a mensagem intitulada “A New Year, a New Direction” [Ano Novo, Nova Direção] afirmando que “Barack Obama está comprometido com a segurança e a proteção de Israel” e lembrando que o Senador co-patrocinou o Ato anti-terrorismo palestino e conclamou a União Européia a acrescentar o Hezbolá à sua lista de organizações terroristas.

Há mais, porém. Os ortodoxos, aponta Mellman, rejeitam a retórica liberal da maioria dos democratas em assuntos ligados a comportamento. E, num país que teve na escola pública universal e gratuita um dos pilares da sua democracia, outro ponto apreciado pelos ortodoxos, cujas famílias são maiores, é a defesa que os republicanos fazem de um sistema de compensação patrocinado pelos cofres públicos (créditos fiscais, por exemplo) para as crianças que freqüentam escolas religiosas privadas.

A batalha por corações e mentes tende a aumentar até a eleição e valem todas as imagens para dar ênfase às idéias. Mas a RJC reagiu com indignação ao comentário, feito pelo deputado democrata Alcee Hastings, de que os judeus devem desconfiar da candidata a vice-presidente pelo Partido Republicano, Sarah Palin, porque “qualquer pessoa que carrega armas e arranca a pele de alces não se importa muito com o que fazem com judeus e negros”. Hastings, que é negro, fez o comentário durante a conferência anual do NJDC, referindo-se ao fato de Palin orgulhar-se de ser uma exímia caçadora, de família de caçadores.

Irène Némirovsky: identidade e auto-ódio judaico


A vida da escritora Irène Némirovsky confirma que é impossível, em certos momentos históricos, renegar o judaísmo. Questões de identidade e pertencimento, amor e ódio, rejeição e obsessão, avultam com tamanho impacto que o tema passa a suscitar novas reflexões. Agora mesmo, o Museum of Jewish Heritage - A Living Memorial to the Holocaust, em Nova York, inaugurou a exposição Woman of Letters (que vai até 22 de março de 2009) sobre a vida e a obra da escritora. Nascida em 1903 em Kiev, de família abastada com a qual emigrou para a França após a Revolução comunista, tornou-se uma celebridade literária nos anos 30 e morreu em Auschwitz em 1942, embora tivesse se convertido ao catolicismo e sido colaboradora da imprensa anti-semita francesa.

Ao ser presa, Irène deixou uma pequena mala com fotos de família, um diário e o manuscrito da Suíte Francesa (no Brasil, edição da Companhia das Letras, tradução de Rosa Freira D'Aguiar), redescoberto pela filha Denise e publicado em 2004. Antes de ser obrigada a fugir da Paris ocupada pelos nazistas para o interior, Irène, que havia sido educada em francês, na melhor tradição da classe dominante russa, publicara mais de dez romances, alguns deles repletos de personagens judeus estereotipados, tipos avarentos e desqualificados.

Suíte Francesa, escrito durante a guerra, é, ao contrário, um livro cheio de empatia pelo sofrimento humano, com a ótica de alguém que, tendo mudado de lugar social, se vê num beco sem saída. Quando Irène foi presa, em 1942, o marido chegou a ir até o embaixador alemão pedir sua libertação, alegando que ela, além de ter se convertido, jamais escrevera nada que fosse generoso em relação aos judeus. Então, por que uma exposição nos EUA sobre essa mulher cuja empatia chegou tarde demais, e que foi “amiga dos carrascos” antes de ser lançada na mesma vala comum dos outros judeus que tanto desprezava?

A controvérsia precedeu a exposição, já que museus do holocausto costumam caracterizar-se por passar mensagens claras e não ambíguas. A explicação do diretor David Marwell e da curadora Ivy Barsky para sua opção de realizar a mostra foi a seguinte:

“Quando se é responsável, como nós somos, por narrar a complexa e difícil história que é o tema do nosso Museu, aprende-se seguidamente que o contexto é crucial. Em nossa exposição sobre Irène Némirovsky, contamos a história de uma mulher verdadeira que viveu numa época e num lugar específicos e foi confrontada com desafios inconcebíveis e inimagináveis.

A popularidade monumental da Suite Francesa e o intenso interesse pela vida da autora deram-nos aquilo que chamamos, em educação, de um momento didático – uma oportunidade de influenciar aqueles que se sentem intrigados por Némirovsky, aqueles que de outra maneira não cruzariam nossas portas, e envolvê-los no diálogo. Essa é uma oportunidade de reunir um rosto a um nome, e de contar a fascinante história dessa família e dessa vida literária, que foi, todavia, muito curta”.

Vale a pena entrar no site do Museum of Jewish Heritage para ver páginas do manuscrito da Suíte Francesa e ouvir o depoimento de Denise sobre a mãe. http://www.mjhnyc.org/irene/index.htm

25.9.08

Os dez judeus de Andy Warhol




Quase 28 anos depois de exibidos pela primeira vez, os “Judeus de Warhol: Dez Retratos Revisitados” ["Warhol's Jews: Ten Portraits Reconsidered] foram motivo de uma exposição em Nova York no primeiro semestre do ano e serão vistos a partir de 12 de outubro no Contemporary Jewish Museum de São Francisco, inteiramente remodelado. A incursão do “Papa do pop” na cultura judaica resultou em obras sobre fotografias de Golda Meir, Albert Einstein, Sigmund Freud, George Gershwin, Franz Kafka, Gertrude Stein, Sarah Bernhardt, Louis Brandeis, Martin Buber e os irmãos Marx. O processo de criação do artista começava com uma imagem do rosto do retratado, sobre a qual ele desenhava os contornos e depois colava a imagem escolhida sobre a original, usando camadas de acetato em cima das quais era feita a pintura.

Quando os “Dez Retratos” foram exibidos pela primeira vez, Andy Warhol era o mais famoso artista vivo dos EUA, queridinho das celebridades, e considerado pelos críticos como obcecado por dinheiro. Houve quem menosprezasse a importância dessa série, sob o argumento de que seu objetivo era apenas o de explorar o orgulho cultural judaico e usou-se muito a expressão “Jewploitation” para referir-se a ela.

O curador da atual exposição, Richard Meyer, conta que Warhol foi motivado a fazer os retratos depois que o Museu de Israel, em Jerusalém, encomendou a ele, na década de 1970, um retrato de Golda Meir, financiado pelo mecenas Sydney Lewis. Na ocasião, o artista ficou amigo de um dono de galeria de Nova York, Ronald Feldman, que lhe sugeriu uma série de dez retratos de judeus importantes do século XX. Várias instituições judaicas norte-americanas exibiram a série desde então.

Lembrando o Holocausto



Relizou-se em 2008 o 10º concurso "Carta a um Sobrevivente do Holocausto", uma iniciativa do Museu Judaico e da Sherit Hapleitá (Associação Brasileira dos Israelitas Sobreviventes da Perseguição Nazista), para estudantes do ensino médio do Rio de Janeiro, que são assim estimulados a pesquisar os acontecimentos que levaram aos crimes nazistas. Nas fotos, momentos da premiação, em 16 de setembro, com a presença do presidente do Museu Judaico, Max Nahmias, do presidente da Sherit, Aleksander Laks, e do vice-presidente do Museu, Sani Gutman.

Emanuel e Mayer, os Lehman Brothers



O famoso banco começou com esses dois irmãos, imigrantes pobres que fizeram sucesso. O início de tudo remonta a 1844, quando o jovem Henry Lehman saiu da Bavária e se estabeleceu no Estado do Alabama. Depois de um ano percorrendo a zona rural como mascate, estabeleceu-se com um armazém de secos e molhados em Montgomery e trouxe os irmãos Emanuel e Mayer da velha terra.

A clientela, principalmente de fazendeiros, tinha pouco dinheiro vivo e costumava trocar mercadorias por algodão. Henry viajava para vender o produto em Nova York e Nova Orleans, onde morreu de febre amarela em 1855. Pouco depois, Emanuel e Mayer enveredaram pelo mundo dos empréstimos aos fazendeiros; o negócio deu tão certo que logo os irmãos abriram uma sucursal em Nova York; a Guerra Civil quase os levou à falência, mas eles se recuperaram. O resto é História...e que história!

Irã, Iraque e judeus nos EUA


A presença do presidente iraniano Ahmadinejad na ONU, segunda-feira (seu discurso pode ser ouvido em http://www.youtube.com/watch?v=rxSN-rIazjo), produziu uma enxurrada de protestos, inclusive numa manifestação convocada por uma coalizão de organizações judaicas em Manhattan.

Depois de uma petição assinada por mais de 20 mil pessoas, os organizadores da manifestação, que abarcou um amplo espectro político, retiraram o convite à participação da candidata a vice-presidente pelo Partido Republicano, Sarah Palin – que vem sendo apresentada pelos republicanos como mulher corajosa, bonitona, esportista, esposa leal e mãe exemplar de cinco filhos, mas está longe de ser um padrão de conhecimento quando se trata de temas internacionais...

O Irã é tema de grande preocupação na comunidade judaica norte-americana, mas não há consenso sobre os melhores meios de enfrentar o risco de que o país tenha armas nucleares, o que é visto como uma ameaça à segurança dos EUA e de Israel. De um lado, os conservadores falam em ataque preventivo, que alguns acham que pode acontecer em breve, do outro os liberais defendem a diplomacia.

Outra preocupação da comunidade é a intervenção no Iraque, uma das questões da campanha para a Presidência. O cartaz acima, que se espalha pela Internet, conclama os judeus a guardarem um lugar na agenda para um evento em novembro contra a guerra.

A manifestação de novembro é patrocinada por vários grupos do judaísmo liberal e secular, que bate forte na expansão do aparato industrial-militar e no discurso belicista. Hoje em dia, esses grupos não são mais apontados como “alternativos”, ou “esquerdistas”, já que a chamada “mainstream América” abriu-se bastante. É possível dizer que os EUA deixaram de ser, há muito tempo, aquilo que o jornalista Paulo Francis, morador de Manhattan, chamava jocosamente de FOT(Flying Over Territory, o vasto território entre Nova York e Los Angeles que, segundo ele, só merecia ser sobrevoado, pois ali faltaria vida inteligente...)

Racismo e Obama



[Na foto, Barack Obama e a mãe].

O racismo poderá derrotar o candidato democrata à Presidência dos EUA, filho de uma norte-americana branca e um queniano negro, caso a disputa final com John McCain seja apertada. Os motivos estão nesse artigo do jornalista brasileiro César Barroso, que faz nos EUA o excelente blog http://www.leiajunto.wordpress.com/

Diz o artigo:

Um terço dos democratas brancos sentem-se apreensivos com relação aos negros - muitos os chamam de “preguiçosos”, “violentos” ou responsáveis pelos seus problemas, segundo uma pesquisa da AP/Yahoo News com a Universidade de Stanford. Se a eleição for apertada, isso poderá custar a Baracak Obama a Casa Branca. É o que conta um artigo da Associated Press divulgado pelo MSNBC.com.

Quarenta por cento dos brancos americanos têm pelo menos uma visão negativa dos negros, e isso inclui votantes democratas e independentes. Eles têm a tendência a não votarem em Obama, em comparação aos que não mantêm nenhum tipo de preconceito contra os negros. “Há muito menos fanáticos do que há 50 anos, mas isso não quer dizer que são poucos”, declarou Paul Sniderman, cientista político da Universidade de Stanford.

O objetivo da pesquisa foi saber porque num cenário tão confortável para os democratas, Barack Obama continua numa luta ferrenha com John McCain, candidato do partido de um presidente impopular, da guerra do Iraque e da economia problemática. Apenas sete de cada dez democratas apóiam Obama, enquanto McCain tem o voto assegurado de 85% dos republicanos. Mas há também muitos brancos com visão negativa dos negros que votarão em Obama com entusiasmo.

A pesquisa indica também que alguns democratas não votarão em Obama por outro motivo: acham que ele não é competente. Três de cada 10 democratas que não votarão em Obama por não o acharem competente, votarão em McCain.

Mas a pesquisa divulga que, se não houvesse o problema racial, Obama estaria nesse momento mais seis pontos percentuais na frente de McCain.

Os entrevistados são escolhidos pelo telefone, mas respondem à pesquisa online. Essa modalidade, descoberta pela Knowledge Networks, facilita às pessoas serem mais honestas em responderem a perguntas embaraçosas e impopulares. “Nós ainda não gostamos dos negros,” declarou John Clouse, de 57 anos, refletindo os sentimentos de seus companheiros de mesa num café em Somerset, Ohio. Muitos acham que “se os negros fossem mais esforçados, eles poderiam estar no mesmo nível dos brancos”.

Dos partidários brancos de Hillary Clinton, 59% declararam que votarão em Obama, enquanto quase 17% votarão por McCain.

A pesquisa foi feita com 2.227 adultos, entre os dias 27 de agosto e 5 de setembro.

3.9.08

Da Argentina, o pós-judaísmo

Nos próximos dias, não vou postar nada, pois estarei na Argentina. Aproveito então para rementer vocês a um artigo publicado na Revista18 http://www.revista18.uol.com.br/ . Procuro explicar ali as posições de Darío Sztajnszrajber, do Seminário Rabínico Latino-Americano de Buenos Aires e um dos criadores do movimento YOK, que pode ser visto no site http://www.yoktime.com .

Para o filósofo, vivemos hoje um processo de re-significação da identidade judaica, que prescinde da necessidade de formação de qualquer identificação em bloco. Ele cunhou a expressão pós-judaísmo, que define como "uma abertura que dialoga com as normas, as faz verem-se como tais no espelho e clama por uma pós-identidade judia que escape ao idêntico".

Desenhos contra o nazismo





O Museu Histórico Alemão inaugurou em 28 de agosto uma exposição do artista plástico polonês Arthur Szyk (1894-1951), um dos mais importantes caricaturistas políticos dos EUA durante a Segunda Guerra e um dos primeiros a insistir que os governos ocidentais fizessem algo com urgência para salvar os judeus europeus diante da ascensão do nazismo. A mostra, que vai até 4 de janeiro de 2009, é a primeira do artista na Alemanha e terá como foco principal suas obras de denúncia da violência nacional-socialista.

O artista se exilou nos EUA em 1940 e seus desenhos, publicados em revistas e jornais populares como Time e New York Post, ajudaram a chamar a atenção dos políticos e da população em geral para a tragédia dos judeus europeus. A primeira-dama norte-americana Eleanor Roosevelt referia-se a ele como “o exército de um homem só”. Szyk também foi o autor de uma conhecida ilustração da Hagadá.

[Site do Museu Histórico Alemão, Deutsches Historisches Museum: www.dhm.de.]

Rabino é primo de Michelle Obama






Michelle Obama, mulher do candidato democrata à Presidência dos EUA, é prima do rabino negro mais conhecido do país, Capers Funnye. “O parentesco dá um toque inesperado à tão analisada relação entre Barack Obama e os judeus nessa campanha. Por um lado, organizadores, eleitores e doadores judeus, inclusive de algumas das famílias mais ricas e proeminentes de Chicago, desempenharam um papel essencial na ascensão política de Obama. Mas o Senador por Illinois lutou para superar as suspeitas de alguns grupos da comunidade judaica, inclusive o ceticismo a respeito de sua posição sobre Israel e os rumores, desacreditados mas persistentes, de que ele é, em segredo, muçulmano”, escreve Anthony Weiss no jornal The Forward (uma tradição do jornalismo norte-americano, criado em abril de 1897 como jornal diário em idish). A relação familiar, acrescenta Weiss, tinha passado praticamente desapercebida até agora.

Funnye é o primeiro negro a integrar o Chicago Board of Rabbis e participa também do Jewish Council on Urban Affairs e do American Jewish Congress of the Midwest. É bastante ativo e gosta de falar sobre a importância da aceitação de sua sinagoga pelos outros judeus dos EUA (aproximadamente 5 milhões e 300 mil, a maioria de ascendência asquenazita). Sua congregação, a Beth Shalom B’nai Zaken Ethiopian Hebrew Congregation, tem mais de 200 membros, quase todos negros, e foi fundada em 1918. Ela não é uma congregação apenas negra, e entre seus membros há também brancos judeus.

O rabino nasceu numa família metodista e se converteu ao judaísmo sob a supervisão de rabinos conservadores e ortodoxos. A maioria dos membros da congregação também se converteu na idade adulta. Apesar da expressão “Ethiopian Hebrew" no seu nome, a congregação não tem nenhuma relação com os judeus etíopes acolhidos por Israel nas últimas décadas. Ela é descrita como um misto de conservadora e ortodoxa moderna, com alguma influência afro-americana (um coral canta spirituals, com acompanhamento de percussão). Homens e mulheres sentam-se separadamente.

27.8.08

Voto judeu nos EUA


O voto judeu nos EUA não é uniforme, mas pende para o Partido Democrata desde a década de 1930. George W. Bush obteve 24% dos votos judeus na eleição presidencial de 2004, contra 76% dos votos dados ao democrata John Kerry. Quatro anos antes, Al Gore tinha obtido 79% do voto judeu. Mesmo depois da segunda Intifada, do 11 de setembro e da invasão do Iraque, a tendência se manteve. O que indica, segundo especialistas, que a comunidade judaica norte-americana não tem uma posição monolítica em relação ao Oriente Médio e tampouco vê a política externa como principal motivação na hora de votar.

Em artigo para o site
http://www.realclearpolitics.com/ ,
o cientista político Pierre Atlas lembra que a última pesquisa de opinião pública do American Jewish Committee, em novembro do ano passado, indicou que 46% dos judeus norte-americanos apoiavam a criação de um Estado palestino, 43% se opunham a ele e 12% não tinham opinião formada.

Agora, Barack Obama vem recebendo apoio de uma gama ampla do judaísmo norte-americano, da centro-direita à esquerda, como se vê em sites como o http://www.JewsForObama.com/ . Mas ainda não chega perto dos antecessores, sendo apoiado por cerca de 62% do voto judeu. Quanto mais velho o eleitor, menos tende a votar no candidato, por motivos que vão da raça à suposta pouca experiência dele. Obama é elogiado pelo site como um político cujo currículo combina com as expectativas da comunidade judaica, “que sempre manteve o envolvimento cívico em prol da melhoria do país e do conserto do mundo”.

Segundo o site, as “posições de Barack Obama sobre justiça social, direitos civis, meio-ambiente, imigração e apoio aos desfavorecidos refletem verdadeiramente os valores judaicos. Ao longo de toda a sua carreira, ele foi um forte defensor de Israel e se manifestou repetidamente contra o anti-semitismo”.

A aclamação de Obama, na convenção democrata de quinta-feira à noite, deixou os antigos militantes pelos direitos civis nos EUA em estado de euforia. Na mesma data, 45 anos antes, ocorreu a marcha em que Martin Luther King fez seu famoso discurso "Eu tenho um sonho". Um dos organizadores da marcha lembrava para os jornalistas que, na época, teve que se sentar na parte de trás de um ônibus ao cruzar o rio Potomac para ir de Washington D.C. ao Estado da Virgínia, pois ainda vigoravam as leis segregacionistas no sul do país.

Outra lembrança: na convenção democrata de 1948 para escolha do candidato à Presidência, o Senador Strom Thurmond liderou um ruidosa retirada de políticos sulistas do Partido Democrata em protesto contra o incipiente apoio da ala liberal do partido aos direitos civis e à dessegregação e deplorou o “risco” de ver brancos compartilhando teatros, piscinas e igrejas com negros. A elite sulista também não aceitava judeus nos seus clubes...

Em Israel, nostalgia política de Yehoshua

Um lamento do escritor A.B.Yehoshua, um dos membros do trio de ouro da literatura contemporânea israelense (com Amós Oz e David Grossman), contra a corrupção no país foi publicado pelo jornal britânico The Guardian no início desse mês. O escritor alega que a ocupação dos territórios palestinos, em vez de ajudar Israel, contribui para criar uma sociedade em que o tecido moral e político se deteriora à medida que a justiça é desafiada de maneira permanente. A íntegra do artigo, que admite que a corrupção é um problema hoje presente em todos os países, está em http://www.guardian.co.uk/commentisfree/2008/aug/10/israelandthepalestinians.middleeast
A nostalgia de Yehoshua transcende ideologias. Diz ele:

"Não acredito que a corrupção venha à tona só porque o cumprimento das leis tenha sido aprimorado, ou porque os cidadãos, como a funcionária que acusou o Presidente Katsav de assédio sexual, sejam mais corajosos. O que está vindo à tona é um mal muito mais profundo, uma perda de valores no interior da sociedade israelense e de seu governo, tal como nunca existiu antes.

Eu me lembro como, na década de 1970, um ministro do Partido Trabalhista tirou a própria vida quando considerado suspeito de corrupção. Foi também isso o que fez o diretor de um grande banco, um economista brilhante, quando recaiu sobre ele a suspeita de crimes financeiros.

Ao falecer, tudo o que Pinchas Sapir, ministro das finanças da Primeira-Ministra Golda Meir, possuía era um modesto apartamento em Tel Aviv e uma pequena poupança. David Ben Gurion, fundador de Israel e sua personalidade política mais proeminente, morou durante os últimos 11 anos de sua vida numa pequena casa de madeira no kibutz Sde Boker, no deserto. Hoje, a extrema modéstia daquela casa ainda surpreende os visitantes.

O ex-Primeiro Ministro Menachem Begin também viveu até morrer num apartamento simples em Tel Aviv. Jamais a menor sombra de suspeita de corrupção perturbou sua paz
."

Álbum de viagem: Girona





Girona, cidade com 70 mil habitantes a duas horas e meia de trem de Barcelona, foi na Idade Média um importante centro onde conviveram as culturas judaica, árabe e cristã. Seu “Call Jueu” (call, em catalão, significa bairro ou gueto judeu) é apontado como o mais bem conservado da Espanha. Uma próspera comunidade sefaradita viveu na cidade durante 600 anos, até 1492, e no século XIII os judeus fundaram ali a primeira Escola de Cabalistas da Península Ibérica. Um museu judaico guarda registros dessa história. As fotos são do carioca Michel Mekler. Veja mais em
http://www.ajuntament.gi/call/eng/visita.php.

14.8.08

Good morning, Shanghai!


Acima, fac-símile da primeira página (fundo preto) do texto de abertura da audição inaugural do programa radiofônico em ídish criado por David Markus em Xangai. Foi no dia 17 de novembro de 1941, uma segunda-feira, às 16h40. O título era "Notícias judaicas locais". É a primeira vez que vem a público, gentilmente cedido pela jornalista Sara Markus Gruman, editora do Boletim ASA, que conta abaixo a emocionante história dos judeus europeus que conseguiram fugir para Xangai depois da eclosão da Segunda Guerra. Entre eles estava seu pai, David Markus, que chegou ao Brasil em 1951.

(Por Sara Markus Gruman*)

Notícias locais – Ontem, às 18 horas, uma inauguração festiva em Kungping Road, n. 445, abriu a primeira Casa Borochov no Extremo Oriente. Durante o ato houve uma impressionante manifestação da juventude sionista em Xangai.

Assim começava a primeira audição do único programa radiofônico para a comunidade judaica levado ao ar na cidade chinesa de Xangai. Idioma: ídish. Data: 17 de novembro de 1941.

David, um jovem moreno, alto, magro, bela estampa, 25 anos apenas, criou e dirigia o programa, transmitido às segundas e quintas-feiras pela XMHA, 600 quilociclos, uma subsidiária da americana NBC. Quando a Alemanha nazista invadiu seu país, a Polônia, em 1˚ de setembro de 1939, David cursava a Faculdade de Humanidades de Vilna, Lituânia. Outros judeus da Polônia, como as irmãs Gênia e Mina, Artur e Bóris, por caminhos diversos, fugiram para a Lituânia, país neutro que tinha comunicação aérea e marítima com o Ocidente. Vilna, sua cidade mais importante, recebeu, na avaliação de David, uns seis mil refugiados judeus. Em 15 de junho de 1940, quando os soviéticos ocuparam a Lituânia, aumentou a agonia dos refugiados na busca da fuga.

No final de julho, estudantes e rabinos da ieshivá de Mir refugiados na Lituânia obtiveram do cônsul honorário da Holanda na capital lituana, Kaunas (Kovno), Jan Zwartendijk, papéis que, por meio de um artifício, permitiam supor que seus portadores tinham entrada garantida em Curaçao. De fato, os papéis não tinham valor de visto, mas bastaram para que o Japão, que não emitia vistos de permanência, concedesse vistos de trânsito. Quando a notícia se espalhou, multidões de refugiados correram para Zwartendijk e, em seguida, para os portões do vice-cônsul japonês em Kaunas, Chiune Sugihara.

Avisado de que os soviéticos fechariam todos os consulados até 25 de agosto, Sugihara passou todo o mês de agosto de 1940 assinando vistos de trânsito para judeus poloneses desesperados. Os números mais conservadores giram em torno de pouco mais de mil vistos, havendo quem os tenha inflacionado até a marca de 8 até 10 mil. Pelas contas de David e Artur, por mais esforço que Sugihara fizesse, o máximo que poderia ter assinado era 3 mil, ainda assim uma proeza que lhes permitiu escapar do massacre promovido pelos nazistas na Lituânia no ano seguinte.

Com a apresentação dos vistos de trânsito e alguma sorte, a NKVD, polícia política soviética, já emitia vistos de saída. “As filas eram enormes”, lembra Bóris. “Acho que nunca se saberá por que, de repente, os russos permitiram que algumas pessoas saíssem”. Provavelmente para obter divisas. Comprar no mercado negro os dólares necessários para pagar a viagem com o expresso transiberiano, que levava doze dias de Moscou até o porto de Vladivostok, custou a David um bonito relógio suíço de ouro. [...] De Vladivostok cruzava-se o agitado Mar do Japão em pequenas embarcações, feito sardinhas em lata, para a cidade portuária japonesa de Tsuruga.

De Tsuruga os refugiados se transferiam para Kobe, onde não podiam trabalhar, e o Jewcom, comitê de assistência aos refugiados, constituído de judeus radicados no Japão, dava uma ajuda que, segundo David, se resumia a 30 centavos de dólar por dia, que davam para um pão com geléia e ovo. No caso dele, que na época só comia kasher, o cardápio às vezes permitia uma batata cozida com geléia de morango. Em meados de 1941, quando o prazo dos vistos expirou e a saída do Japão se tornou obrigatória, os refugiados correram para o único lugar que não exigia vistos: a cidade aberta de Xangai.

APOIO DA COMUNIDADE

A presença judaica na China remonta ao século 10. Quando os refugiados chegaram, Xangai já possuía uma comunidade judaica organizada. Como resultado da Guerra do Ópio, em 1841, a Grã Bretanha, vencedora, obrigara o governo imperial chinês a abrir portos ao comércio internacional. A cidade foi dividida em três setores: o chinês, o Internacional (International Settlement), principalmente comercial, e o francês (Concession Française), residencial. A partir de 1843, diferentes ondas de imigrantes judeus se dirigiram àquela metrópole. Os primeiros eram originários do Oriente Médio e fizeram grandes fortunas, como os Sassoon, os Kadoori e os Hardoon. Depois vieram os russos fugindo dos pogroms e das revoluções do início do século 20 e, finalmente, os alemães, austríacos e poloneses, nessa ordem.

Os judeus do Oriente Médio e russos deram grande assistência aos refugiados do nazismo, construindo escolas, hospitais e clubes. Os judeus russos chegaram à China apenas com a roupa do corpo, mas à custa de muito trabalho e espírito empreendedor alcançaram tal sucesso que construíram as suas próprias instituições e, no período entre guerras, coletavam dinheiro para ser enviado ao ishuv na então Palestina. Em Xangai, moravam na concessão francesa e se dedicavam principalmente ao comércio de importação e exportação. “Foram os judeus russos que, em maio de 1941, organizaram o Eastjewcom, o comitê, onde eu trabalhei, de apoio material e logístico aos refugiados em Xangai”, conta Gênia.

Para Hongkew (lê-se Hon-quiú) foram os judeus alemães e austríacos na década de 1930.O bairro fora palco de lutas em 1937, na guerra entre China e Japão, da qual resultou a ocupação japonesa de Xangai. Boa parte fora queimada e era nesse cenário semi-devastado e infecto que viviam a população chinesa miserável e os cerca de 16 mil judeus alemães e austríacos. Lá, a quase totalidade dos refugiados morava precariamente nos grandes galpões  cem, duzentas pessoas amontoadas, convivendo com ratos e baratas. “Mesmo assim”, observa Gênia, “por serem cultos, os alemães tinham teatro e um time de futebol, davam concertos e as crianças freqüentavam uma escola sustentada pelos sefaradim. Eram judeus alemães a maioria dos médicos do hospital de Hongkew.”

Os judeus poloneses, últimos a chegar a Xangai, moravam na concessão francesa e tinham relacionamento muito mais estreito com os russos do que com os alemães devido, segundo Artur, à afinidade lingüística. Após a chegada dos refugiados da Polônia, as atividades editoriais se intensificaram e diversos escritores se dedicaram à publicação e divulgação da literatura ídish moderna. Russos e poloneses organizavam programas artísticos e literários em ídish no Shanghai Jewish Club (SJC), fundado por imigrantes russos provavelmente na década de 1920, na concessão francesa.

No início de 1942, David e um grupo de jornalistas de Varsóvia, entre os quais Elbaum e Svislotzky, organizaram espetáculos musicais e humorísticos que eram apresentados no SJC. Diversos nomes do meio literário, jornalístico, artístico e político em Xangai freqüentaram o programa de David na XMHA e se destacaram anos depois no cenário judaico em Israel e outros países. Um deles foi Josef Tukachinsky, que após a guerra fez aliá e seguiu carreira diplomática com o nome de Iossef Tekoa. Como embaixador, no início dos anos 1960, o casal Ruth e Iossef Tekoa ocupou com os filhos a casa − no terreno existe hoje um edifício − que servia de residência oficial de Israel no Brasil, na Rua das Laranjeiras, em frente à Hebraica.

O movimento sionista em Xangai começou no alvorecer do século 20 entre os sefaradim. Em 1945, a Organização Sionista de Xangai – ZOS (Zionist Organisation, Shanghai) contava com 1815 membros, fora outras organizações sionistas como Wizo, Poalei Tsion, Betar, Mizrahi e Brit Noar Tsioni. Já os bundistas eram “cem ou mais. Eu tinha ligação com eles porque meu irmão era um grande líder do Bund [principal partido operário judeu da Europa Oriental, anti-sionista] e chegou a ficar preso em Lubianka, Moscou”, revela Bóris. Havia escolas seculares e ieshivot, estas totalizando cerca de quatrocentos estudantes. “Os da Mir viviam muito bem, com fundos do exterior.” O ORT foi instalado em Xangai em setembro de 1941, e até julho de 1945 havia 876 matriculados em seus cursos.

“No dia 7 de dezembro de 1941, acordei com tiros de canhão. Os japoneses estavam começando a atacar o settlement, cujo porto abrigava navios ingleses e americanos. Depois foi se espalhando de boca em boca a notícia do ataque a Pearl Harbor”, lembra Bóris. Com a eclosão da guerra no Pacífico e a ocupação das áreas internacionais, os japoneses começaram a fechar o cerco aos refugiados e calaram a única voz ídish jamais levada ao ar por uma emissora de Xangai. O programa de David não chegara a completar um mês de existência.

Quando o coronel da Gestapo Josef Meisinger, o “açougueiro do Gueto de Varsóvia”, desembarcou em Xangai, em 1942, para convencer seu aliado no Eixo a aniquilar os cerca de 20 mil judeus que ali sobreviviam, o Japão resistiu, pois, de acordo com David, a sua política oficial não era anti-semita. Contudo, em 12 de fevereiro de 1943, não mais resistindo às pressões da Alemanha, as forças de ocupação emitiram uma proclamação (proclamation) obrigando todos os refugiados apátridas (stateless) que tivessem chegado depois de 1937 a se transferir para a “Designated Area”, um eufemismo para gueto, dentro de Hongkew. Cinco judeus poloneses se insurgiram e foram executados; outros, presos. “Cerca de 25 morreram de tifo devido às más condições da prisão”, lembra Artur.

Em Hongkew, David passou a dividir um quartinho com mais cinco ou seis refugiados nas dependências do Exército da Salvação, mudando-se mais tarde para Tong Shan Road, seu endereço até o fim da guerra. As condições sanitárias eram extremamente precárias e faltava comida. “Durante cinco anos eu não vi açúcar, e o arroz estava racionado. Quem tivesse muitos dólares podia comer. Mas quem tinha?”, exclama Gênia. “O que nos salvou foi a banha de porco, que os chineses desprezavam. Nós podíamos comprá-la muito barato e, com um pouco de pão, fazíamos um banquete. Havia muita avitaminose, além de tifo e, devido à falta de higiene, disenteria. Eu mesma fui quatro vezes internada no hospital com disenteria. O comitê sefaradi, constituído daquelas famílias milionárias radicadas ali havia um século, colaborou muito para tornar o gueto de Hongkew habitável, mas longe de decente, pois não havia banheiros.” [...]

De acordo com a Emigrant Residents Union, em novembro de 1944 viviam confinados no gueto, numa área de aproximadamente 2,5km2, 14.245 refugiados, sendo 8.114 da Alemanha, 3.942 da Áustria e 1.248 da Polônia (SEGUE NOS POSTS ABAIXO)

* Escrevo em lembrança de meu pai e como uma homenagem a Zwartendijk e a Sugihara, cujos gestos humanitários salvaram tantas vidas do genocídio nazista, me permitindo contar esta história (a íntegra deste artigo foi publicado no número 72 do boletim ASA, set-out de 2001)

Chineses amistosos, japonês assustador

O contato com a população chinesa local era pequeno, porém amistoso. David costumava ressaltar que eles eram muito honestos nos negócios. Artur concorda: “Os chineses sabiam que éramos vítimas do nazismo, e eles eram contra o Japão e a Alemanha. Fazíamos muito bons negócios”. Se o convívio com os chineses era bom, o mesmo não se aplicava aos japoneses, que restringiam a liberdade de movimento dos judeus. Quatro oficiais eram encarregados de controlar a entrada e saída do gueto, sendo o principal na hierarquia o oficial da Marinha T. Kubota, a quem Artur classifica como um homem justo. Um outro funcionário, porém, um sádico de nome Goya, contribuía para infernizar ainda mais a vida dos refugiados.

David ria (tantos anos depois já ficava fácil rir da situação) quando lembrava que Goya, de estatura muito baixa, dava vazão ao seu complexo subindo em cima da mesa para dar bofetadas nos refugiados que faziam filas quilométricas diante do escritório dele para resolver questões burocráticas. Soltava tapas e berrava: “Eu sou mais alto que você, eu sou o rei dos judeus.”

Daí que o special pass, documento carimbado por Goya que permitia ao refugiado sair da “Designated Area” para trabalhar no settlement, passou a ser chamado ironicamente de “petchl (tapinha, em ídish) pass”. Artur não esquece: “Eu tive um caso muito desagradável com aquele meshúguener. Por ser estudante universitário, havia obtido um documento de isenção (exemption) que me autorizava a residir na concessão. Mas, ao levar o documento de isenção para a renovação anual, Goya o rasgou diante dos meus olhos. Fiquei sem documento, morando na concessão ilegalmente, desesperado. Quem me forneceu outro papel foi Kubota.”

Em 18 de julho de 1945, a Força Aérea americana bombardeou a rádio e uma fábrica de munições japonesas em Xangai. Algumas bombas atingiram Hongkew. Morreram 2 mil chineses e 31 refugiados judeus, dos quais oito ou nove eram poloneses. David, Artur e Gênia perderam amigos nesse ataque. Imediatamente após o lançamento da bomba atômica sobre Hiroxima, em agosto de 1945, muitos japoneses começaram a abandonar Xangai. A situação após a rendição incondicional do Japão era, no dizer de Artur, sui generis: os japoneses, embora derrotados, foram incumbidos pelos americanos de continuar ocupando Xangai até que o exército nacionalista de Chiang Kai Shek conseguisse chegar para assumir o controle da cidade. Seguindo uma disciplina rígida, mesmo após os ataques atômicos, os soldados, armados, não permitiram desordens nem roubos.

Em 1946 os refugiados começaram a abandonar Xangai, com destino principalmente aos Estados Unidos, Israel e Austrália.

Os personagens no Brasil

Bóris Stycer rumou para os Estados Unidos no último navio, o S.S. Gordon, em 19 de maio de 1949, dez dias antes de Mao Tse Tung entrar em Xangai. Veio para o Rio de Janeiro em 1960, quando se casou com Sonia. O casal tem dois filhos e mora no Leblon.

Artur Marceli Gotesman embarcou para os Estados Unidos em setembro de 1946 e veio para o Rio de Janeiro em 1954. Trabalhou com importação e exportação e mora em Copacabana.

Gênia Rosenstein saiu de Xangai em junho de 1946 para a Austrália. Em 1960 veio para o Rio de Janeiro, onde se casou pela segunda vez, e trabalhou primeiro no Hias e depois na Universal Pictures. Como sua irmã, Mina Stark, mora no Flamengo.

Iossef Tekoa, depois de servir no Brasil, foi embaixador de Israel na União Soviética e nas Nações Unidas. Quando encerrou a carreira diplomática foi nomeado reitor da Universidade do Neguev. Morreu prematuramente.
Goya foi condenado a vários anos de prisão como criminoso de guerra.

Chiune (Sempo) Sugihara foi demitido pelo Ministério das Relações Exteriores japonês em 1947. Nos últimos anos surgiram versões de que ele era, na verdade, um agente secreto a serviço não se sabe bem se do próprio Japão, se da Polônia ou da União Soviética. A mais convincente e amplamente aceita, porém, continua sendo a de que era um jovem diplomata que agiu desinteressadamente, salvando judeus das mãos dos nazistas por puro sentimento de solidariedade. Em 1985foi proclamado “um dos justos entre as nações” pelo Iad Vashem. Morreu em 1986.

Jan Zwartendijk voltou para a Holanda depois que os soviéticos fecharam seu consulado. Morreu em 1976. O Iad Vashem o proclamou “um dos justos entre as nações” em 1997.

David Markus partiu de Xangai em 12 de dezembro de 1946 no navio francês André Lebon. Tentou entrar na Palestina do Mandato Britânico, sem sucesso. Veio para o Rio de Janeiro em 1951. De seu casamento com Lula Weigler nascemos eu e meu irmão, Paul. Foi redator e depois proprietário do jornal ídish fundado em 1929 Imprensa Israelita-Ídishe Presse, que saiu de circulação em 1988. Em 1955 fundou, na Rádio Mundial, o programa radiofônico diário A Voz Israelita, que foi ao ar até 1983 e no qual, no final da década de 1960, estudante de segundo grau, iniciei-me no jornalismo. Simultaneamente foi, durante décadas, correspondente dos jornais Maariv, de Tel Aviv, Jewish Chronicle, de Londres, e Forverts, de Nova York, assim como da Jewish Telegraphic Agency, de Nova York. Morreu em 27 de maio de 2000.

7.8.08

Frase de Siné provoca guerra verbal na França



Apesar do verão e das férias coletivas, os franceses envolveram-se com todas as armas retóricas na polêmica em torno de um comentário de Siné, cartunista e colunista do jornal satírico Charlie Hebdo. Siné foi demitido após escrever uma nota sobre o noivado do jovem Jean Sarkozy, filho do presidente, com a milionária herdeira judia Jéssica Sebaoun-Darty. Comentando o boato de que Jean, que começa a fazer carreira política, vai se converter ao judaísmo para se casar, Siné fez uma piadinha que alguns judeus apontam como anti-semita. “Ele vai se dar bem na vida, esse garoto!” escreveu.

A demissão do cartunista, 79 anos, símbolo de um humor francês iconoclasta e anárquico, que desconhece hierarquias, foi uma surpresa, até porque o Charlie Hebdo ficou conhecido por sua irreverência e defesa da liberdade de expressão (defendeu, por exemplo, a publicação das charges de Maomé, que levaram o autor a ser ameaçado de morte por radicais islâmicos). Siné não admitiu demitir-se e desafiou seus críticos em artigo na revista Le Nouvel Observateur: “Eu nunca fui anti-semita, não sou anti-semita e nunca serei anti-semita”, afirmou. “Condeno categoricamente aqueles que o são, mas tampouco respeito aqueles, judeus ou não judeus, que lançam essa palavra obscena na cara dos adversários para desacreditá-los, pois é óbvio que essa acusação é o supremo insulto desde o Holocausto. Isso está ficando realmente insuportável!”

O jornalista Claude Askolovitch, que lidera as hostes anti-Siné, diz que, por trás da frase, existe a idéia preconcebida de que todos os judeus são poderosos e privilegiados. Outro comentário de Siné, de que preferiria uma mulher muçulmana com véu a uma judia depilada, foi mais uma gota d’água no copo das acusações mútuas.
O velho cartunista está sendo amplamente apoiado por abaixo-assinados e cartas-abertas publicadas na Internet, em sites visitados por centenas de milhares de pessoas, que acusam o jornal de não ser mais o mesmo e ter aderido a uma “caça às bruxas”.

Entre os que concordam com as críticas a Siné está o famoso filósofo Bernard-Henri Levy, que acha que é preciso, sim, denunciar qualquer insinuação baseada em estereótipos raciais, ainda que feita com aparente leveza. Em artigo para o Le Monde, ele afirmou que « a crítica das religiões, de todas as religiões, à maneira de Voltaire, é uma coisa – sadia, bem-vinda, útil a todos e em particular, talvez, aos próprios fiéis. O racismo, o anti-semitismo, são outra coisa – odiosa, indesculpável, mortal para todo mundo e que não se pode, em nenhuma hipótese, confundir com a primeira”. O que conta são as palavras, diz o filósofo. E, além das palavras, também contam a História, a memória e o imaginário que elas veiculam.

A coluna de Bernard Henri Levy pode ser lida em www.lemonde.fr/archives /article/2008/07/21/de-quoi-sine-est-il-le-nom-par-bernard-henri-levy_1075542_0.html