27.8.08

Voto judeu nos EUA


O voto judeu nos EUA não é uniforme, mas pende para o Partido Democrata desde a década de 1930. George W. Bush obteve 24% dos votos judeus na eleição presidencial de 2004, contra 76% dos votos dados ao democrata John Kerry. Quatro anos antes, Al Gore tinha obtido 79% do voto judeu. Mesmo depois da segunda Intifada, do 11 de setembro e da invasão do Iraque, a tendência se manteve. O que indica, segundo especialistas, que a comunidade judaica norte-americana não tem uma posição monolítica em relação ao Oriente Médio e tampouco vê a política externa como principal motivação na hora de votar.

Em artigo para o site
http://www.realclearpolitics.com/ ,
o cientista político Pierre Atlas lembra que a última pesquisa de opinião pública do American Jewish Committee, em novembro do ano passado, indicou que 46% dos judeus norte-americanos apoiavam a criação de um Estado palestino, 43% se opunham a ele e 12% não tinham opinião formada.

Agora, Barack Obama vem recebendo apoio de uma gama ampla do judaísmo norte-americano, da centro-direita à esquerda, como se vê em sites como o http://www.JewsForObama.com/ . Mas ainda não chega perto dos antecessores, sendo apoiado por cerca de 62% do voto judeu. Quanto mais velho o eleitor, menos tende a votar no candidato, por motivos que vão da raça à suposta pouca experiência dele. Obama é elogiado pelo site como um político cujo currículo combina com as expectativas da comunidade judaica, “que sempre manteve o envolvimento cívico em prol da melhoria do país e do conserto do mundo”.

Segundo o site, as “posições de Barack Obama sobre justiça social, direitos civis, meio-ambiente, imigração e apoio aos desfavorecidos refletem verdadeiramente os valores judaicos. Ao longo de toda a sua carreira, ele foi um forte defensor de Israel e se manifestou repetidamente contra o anti-semitismo”.

A aclamação de Obama, na convenção democrata de quinta-feira à noite, deixou os antigos militantes pelos direitos civis nos EUA em estado de euforia. Na mesma data, 45 anos antes, ocorreu a marcha em que Martin Luther King fez seu famoso discurso "Eu tenho um sonho". Um dos organizadores da marcha lembrava para os jornalistas que, na época, teve que se sentar na parte de trás de um ônibus ao cruzar o rio Potomac para ir de Washington D.C. ao Estado da Virgínia, pois ainda vigoravam as leis segregacionistas no sul do país.

Outra lembrança: na convenção democrata de 1948 para escolha do candidato à Presidência, o Senador Strom Thurmond liderou um ruidosa retirada de políticos sulistas do Partido Democrata em protesto contra o incipiente apoio da ala liberal do partido aos direitos civis e à dessegregação e deplorou o “risco” de ver brancos compartilhando teatros, piscinas e igrejas com negros. A elite sulista também não aceitava judeus nos seus clubes...

Em Israel, nostalgia política de Yehoshua

Um lamento do escritor A.B.Yehoshua, um dos membros do trio de ouro da literatura contemporânea israelense (com Amós Oz e David Grossman), contra a corrupção no país foi publicado pelo jornal britânico The Guardian no início desse mês. O escritor alega que a ocupação dos territórios palestinos, em vez de ajudar Israel, contribui para criar uma sociedade em que o tecido moral e político se deteriora à medida que a justiça é desafiada de maneira permanente. A íntegra do artigo, que admite que a corrupção é um problema hoje presente em todos os países, está em http://www.guardian.co.uk/commentisfree/2008/aug/10/israelandthepalestinians.middleeast
A nostalgia de Yehoshua transcende ideologias. Diz ele:

"Não acredito que a corrupção venha à tona só porque o cumprimento das leis tenha sido aprimorado, ou porque os cidadãos, como a funcionária que acusou o Presidente Katsav de assédio sexual, sejam mais corajosos. O que está vindo à tona é um mal muito mais profundo, uma perda de valores no interior da sociedade israelense e de seu governo, tal como nunca existiu antes.

Eu me lembro como, na década de 1970, um ministro do Partido Trabalhista tirou a própria vida quando considerado suspeito de corrupção. Foi também isso o que fez o diretor de um grande banco, um economista brilhante, quando recaiu sobre ele a suspeita de crimes financeiros.

Ao falecer, tudo o que Pinchas Sapir, ministro das finanças da Primeira-Ministra Golda Meir, possuía era um modesto apartamento em Tel Aviv e uma pequena poupança. David Ben Gurion, fundador de Israel e sua personalidade política mais proeminente, morou durante os últimos 11 anos de sua vida numa pequena casa de madeira no kibutz Sde Boker, no deserto. Hoje, a extrema modéstia daquela casa ainda surpreende os visitantes.

O ex-Primeiro Ministro Menachem Begin também viveu até morrer num apartamento simples em Tel Aviv. Jamais a menor sombra de suspeita de corrupção perturbou sua paz
."

Álbum de viagem: Girona





Girona, cidade com 70 mil habitantes a duas horas e meia de trem de Barcelona, foi na Idade Média um importante centro onde conviveram as culturas judaica, árabe e cristã. Seu “Call Jueu” (call, em catalão, significa bairro ou gueto judeu) é apontado como o mais bem conservado da Espanha. Uma próspera comunidade sefaradita viveu na cidade durante 600 anos, até 1492, e no século XIII os judeus fundaram ali a primeira Escola de Cabalistas da Península Ibérica. Um museu judaico guarda registros dessa história. As fotos são do carioca Michel Mekler. Veja mais em
http://www.ajuntament.gi/call/eng/visita.php.

14.8.08

Good morning, Shanghai!


Acima, fac-símile da primeira página (fundo preto) do texto de abertura da audição inaugural do programa radiofônico em ídish criado por David Markus em Xangai. Foi no dia 17 de novembro de 1941, uma segunda-feira, às 16h40. O título era "Notícias judaicas locais". É a primeira vez que vem a público, gentilmente cedido pela jornalista Sara Markus Gruman, editora do Boletim ASA, que conta abaixo a emocionante história dos judeus europeus que conseguiram fugir para Xangai depois da eclosão da Segunda Guerra. Entre eles estava seu pai, David Markus, que chegou ao Brasil em 1951.

(Por Sara Markus Gruman*)

Notícias locais – Ontem, às 18 horas, uma inauguração festiva em Kungping Road, n. 445, abriu a primeira Casa Borochov no Extremo Oriente. Durante o ato houve uma impressionante manifestação da juventude sionista em Xangai.

Assim começava a primeira audição do único programa radiofônico para a comunidade judaica levado ao ar na cidade chinesa de Xangai. Idioma: ídish. Data: 17 de novembro de 1941.

David, um jovem moreno, alto, magro, bela estampa, 25 anos apenas, criou e dirigia o programa, transmitido às segundas e quintas-feiras pela XMHA, 600 quilociclos, uma subsidiária da americana NBC. Quando a Alemanha nazista invadiu seu país, a Polônia, em 1˚ de setembro de 1939, David cursava a Faculdade de Humanidades de Vilna, Lituânia. Outros judeus da Polônia, como as irmãs Gênia e Mina, Artur e Bóris, por caminhos diversos, fugiram para a Lituânia, país neutro que tinha comunicação aérea e marítima com o Ocidente. Vilna, sua cidade mais importante, recebeu, na avaliação de David, uns seis mil refugiados judeus. Em 15 de junho de 1940, quando os soviéticos ocuparam a Lituânia, aumentou a agonia dos refugiados na busca da fuga.

No final de julho, estudantes e rabinos da ieshivá de Mir refugiados na Lituânia obtiveram do cônsul honorário da Holanda na capital lituana, Kaunas (Kovno), Jan Zwartendijk, papéis que, por meio de um artifício, permitiam supor que seus portadores tinham entrada garantida em Curaçao. De fato, os papéis não tinham valor de visto, mas bastaram para que o Japão, que não emitia vistos de permanência, concedesse vistos de trânsito. Quando a notícia se espalhou, multidões de refugiados correram para Zwartendijk e, em seguida, para os portões do vice-cônsul japonês em Kaunas, Chiune Sugihara.

Avisado de que os soviéticos fechariam todos os consulados até 25 de agosto, Sugihara passou todo o mês de agosto de 1940 assinando vistos de trânsito para judeus poloneses desesperados. Os números mais conservadores giram em torno de pouco mais de mil vistos, havendo quem os tenha inflacionado até a marca de 8 até 10 mil. Pelas contas de David e Artur, por mais esforço que Sugihara fizesse, o máximo que poderia ter assinado era 3 mil, ainda assim uma proeza que lhes permitiu escapar do massacre promovido pelos nazistas na Lituânia no ano seguinte.

Com a apresentação dos vistos de trânsito e alguma sorte, a NKVD, polícia política soviética, já emitia vistos de saída. “As filas eram enormes”, lembra Bóris. “Acho que nunca se saberá por que, de repente, os russos permitiram que algumas pessoas saíssem”. Provavelmente para obter divisas. Comprar no mercado negro os dólares necessários para pagar a viagem com o expresso transiberiano, que levava doze dias de Moscou até o porto de Vladivostok, custou a David um bonito relógio suíço de ouro. [...] De Vladivostok cruzava-se o agitado Mar do Japão em pequenas embarcações, feito sardinhas em lata, para a cidade portuária japonesa de Tsuruga.

De Tsuruga os refugiados se transferiam para Kobe, onde não podiam trabalhar, e o Jewcom, comitê de assistência aos refugiados, constituído de judeus radicados no Japão, dava uma ajuda que, segundo David, se resumia a 30 centavos de dólar por dia, que davam para um pão com geléia e ovo. No caso dele, que na época só comia kasher, o cardápio às vezes permitia uma batata cozida com geléia de morango. Em meados de 1941, quando o prazo dos vistos expirou e a saída do Japão se tornou obrigatória, os refugiados correram para o único lugar que não exigia vistos: a cidade aberta de Xangai.

APOIO DA COMUNIDADE

A presença judaica na China remonta ao século 10. Quando os refugiados chegaram, Xangai já possuía uma comunidade judaica organizada. Como resultado da Guerra do Ópio, em 1841, a Grã Bretanha, vencedora, obrigara o governo imperial chinês a abrir portos ao comércio internacional. A cidade foi dividida em três setores: o chinês, o Internacional (International Settlement), principalmente comercial, e o francês (Concession Française), residencial. A partir de 1843, diferentes ondas de imigrantes judeus se dirigiram àquela metrópole. Os primeiros eram originários do Oriente Médio e fizeram grandes fortunas, como os Sassoon, os Kadoori e os Hardoon. Depois vieram os russos fugindo dos pogroms e das revoluções do início do século 20 e, finalmente, os alemães, austríacos e poloneses, nessa ordem.

Os judeus do Oriente Médio e russos deram grande assistência aos refugiados do nazismo, construindo escolas, hospitais e clubes. Os judeus russos chegaram à China apenas com a roupa do corpo, mas à custa de muito trabalho e espírito empreendedor alcançaram tal sucesso que construíram as suas próprias instituições e, no período entre guerras, coletavam dinheiro para ser enviado ao ishuv na então Palestina. Em Xangai, moravam na concessão francesa e se dedicavam principalmente ao comércio de importação e exportação. “Foram os judeus russos que, em maio de 1941, organizaram o Eastjewcom, o comitê, onde eu trabalhei, de apoio material e logístico aos refugiados em Xangai”, conta Gênia.

Para Hongkew (lê-se Hon-quiú) foram os judeus alemães e austríacos na década de 1930.O bairro fora palco de lutas em 1937, na guerra entre China e Japão, da qual resultou a ocupação japonesa de Xangai. Boa parte fora queimada e era nesse cenário semi-devastado e infecto que viviam a população chinesa miserável e os cerca de 16 mil judeus alemães e austríacos. Lá, a quase totalidade dos refugiados morava precariamente nos grandes galpões  cem, duzentas pessoas amontoadas, convivendo com ratos e baratas. “Mesmo assim”, observa Gênia, “por serem cultos, os alemães tinham teatro e um time de futebol, davam concertos e as crianças freqüentavam uma escola sustentada pelos sefaradim. Eram judeus alemães a maioria dos médicos do hospital de Hongkew.”

Os judeus poloneses, últimos a chegar a Xangai, moravam na concessão francesa e tinham relacionamento muito mais estreito com os russos do que com os alemães devido, segundo Artur, à afinidade lingüística. Após a chegada dos refugiados da Polônia, as atividades editoriais se intensificaram e diversos escritores se dedicaram à publicação e divulgação da literatura ídish moderna. Russos e poloneses organizavam programas artísticos e literários em ídish no Shanghai Jewish Club (SJC), fundado por imigrantes russos provavelmente na década de 1920, na concessão francesa.

No início de 1942, David e um grupo de jornalistas de Varsóvia, entre os quais Elbaum e Svislotzky, organizaram espetáculos musicais e humorísticos que eram apresentados no SJC. Diversos nomes do meio literário, jornalístico, artístico e político em Xangai freqüentaram o programa de David na XMHA e se destacaram anos depois no cenário judaico em Israel e outros países. Um deles foi Josef Tukachinsky, que após a guerra fez aliá e seguiu carreira diplomática com o nome de Iossef Tekoa. Como embaixador, no início dos anos 1960, o casal Ruth e Iossef Tekoa ocupou com os filhos a casa − no terreno existe hoje um edifício − que servia de residência oficial de Israel no Brasil, na Rua das Laranjeiras, em frente à Hebraica.

O movimento sionista em Xangai começou no alvorecer do século 20 entre os sefaradim. Em 1945, a Organização Sionista de Xangai – ZOS (Zionist Organisation, Shanghai) contava com 1815 membros, fora outras organizações sionistas como Wizo, Poalei Tsion, Betar, Mizrahi e Brit Noar Tsioni. Já os bundistas eram “cem ou mais. Eu tinha ligação com eles porque meu irmão era um grande líder do Bund [principal partido operário judeu da Europa Oriental, anti-sionista] e chegou a ficar preso em Lubianka, Moscou”, revela Bóris. Havia escolas seculares e ieshivot, estas totalizando cerca de quatrocentos estudantes. “Os da Mir viviam muito bem, com fundos do exterior.” O ORT foi instalado em Xangai em setembro de 1941, e até julho de 1945 havia 876 matriculados em seus cursos.

“No dia 7 de dezembro de 1941, acordei com tiros de canhão. Os japoneses estavam começando a atacar o settlement, cujo porto abrigava navios ingleses e americanos. Depois foi se espalhando de boca em boca a notícia do ataque a Pearl Harbor”, lembra Bóris. Com a eclosão da guerra no Pacífico e a ocupação das áreas internacionais, os japoneses começaram a fechar o cerco aos refugiados e calaram a única voz ídish jamais levada ao ar por uma emissora de Xangai. O programa de David não chegara a completar um mês de existência.

Quando o coronel da Gestapo Josef Meisinger, o “açougueiro do Gueto de Varsóvia”, desembarcou em Xangai, em 1942, para convencer seu aliado no Eixo a aniquilar os cerca de 20 mil judeus que ali sobreviviam, o Japão resistiu, pois, de acordo com David, a sua política oficial não era anti-semita. Contudo, em 12 de fevereiro de 1943, não mais resistindo às pressões da Alemanha, as forças de ocupação emitiram uma proclamação (proclamation) obrigando todos os refugiados apátridas (stateless) que tivessem chegado depois de 1937 a se transferir para a “Designated Area”, um eufemismo para gueto, dentro de Hongkew. Cinco judeus poloneses se insurgiram e foram executados; outros, presos. “Cerca de 25 morreram de tifo devido às más condições da prisão”, lembra Artur.

Em Hongkew, David passou a dividir um quartinho com mais cinco ou seis refugiados nas dependências do Exército da Salvação, mudando-se mais tarde para Tong Shan Road, seu endereço até o fim da guerra. As condições sanitárias eram extremamente precárias e faltava comida. “Durante cinco anos eu não vi açúcar, e o arroz estava racionado. Quem tivesse muitos dólares podia comer. Mas quem tinha?”, exclama Gênia. “O que nos salvou foi a banha de porco, que os chineses desprezavam. Nós podíamos comprá-la muito barato e, com um pouco de pão, fazíamos um banquete. Havia muita avitaminose, além de tifo e, devido à falta de higiene, disenteria. Eu mesma fui quatro vezes internada no hospital com disenteria. O comitê sefaradi, constituído daquelas famílias milionárias radicadas ali havia um século, colaborou muito para tornar o gueto de Hongkew habitável, mas longe de decente, pois não havia banheiros.” [...]

De acordo com a Emigrant Residents Union, em novembro de 1944 viviam confinados no gueto, numa área de aproximadamente 2,5km2, 14.245 refugiados, sendo 8.114 da Alemanha, 3.942 da Áustria e 1.248 da Polônia (SEGUE NOS POSTS ABAIXO)

* Escrevo em lembrança de meu pai e como uma homenagem a Zwartendijk e a Sugihara, cujos gestos humanitários salvaram tantas vidas do genocídio nazista, me permitindo contar esta história (a íntegra deste artigo foi publicado no número 72 do boletim ASA, set-out de 2001)

Chineses amistosos, japonês assustador

O contato com a população chinesa local era pequeno, porém amistoso. David costumava ressaltar que eles eram muito honestos nos negócios. Artur concorda: “Os chineses sabiam que éramos vítimas do nazismo, e eles eram contra o Japão e a Alemanha. Fazíamos muito bons negócios”. Se o convívio com os chineses era bom, o mesmo não se aplicava aos japoneses, que restringiam a liberdade de movimento dos judeus. Quatro oficiais eram encarregados de controlar a entrada e saída do gueto, sendo o principal na hierarquia o oficial da Marinha T. Kubota, a quem Artur classifica como um homem justo. Um outro funcionário, porém, um sádico de nome Goya, contribuía para infernizar ainda mais a vida dos refugiados.

David ria (tantos anos depois já ficava fácil rir da situação) quando lembrava que Goya, de estatura muito baixa, dava vazão ao seu complexo subindo em cima da mesa para dar bofetadas nos refugiados que faziam filas quilométricas diante do escritório dele para resolver questões burocráticas. Soltava tapas e berrava: “Eu sou mais alto que você, eu sou o rei dos judeus.”

Daí que o special pass, documento carimbado por Goya que permitia ao refugiado sair da “Designated Area” para trabalhar no settlement, passou a ser chamado ironicamente de “petchl (tapinha, em ídish) pass”. Artur não esquece: “Eu tive um caso muito desagradável com aquele meshúguener. Por ser estudante universitário, havia obtido um documento de isenção (exemption) que me autorizava a residir na concessão. Mas, ao levar o documento de isenção para a renovação anual, Goya o rasgou diante dos meus olhos. Fiquei sem documento, morando na concessão ilegalmente, desesperado. Quem me forneceu outro papel foi Kubota.”

Em 18 de julho de 1945, a Força Aérea americana bombardeou a rádio e uma fábrica de munições japonesas em Xangai. Algumas bombas atingiram Hongkew. Morreram 2 mil chineses e 31 refugiados judeus, dos quais oito ou nove eram poloneses. David, Artur e Gênia perderam amigos nesse ataque. Imediatamente após o lançamento da bomba atômica sobre Hiroxima, em agosto de 1945, muitos japoneses começaram a abandonar Xangai. A situação após a rendição incondicional do Japão era, no dizer de Artur, sui generis: os japoneses, embora derrotados, foram incumbidos pelos americanos de continuar ocupando Xangai até que o exército nacionalista de Chiang Kai Shek conseguisse chegar para assumir o controle da cidade. Seguindo uma disciplina rígida, mesmo após os ataques atômicos, os soldados, armados, não permitiram desordens nem roubos.

Em 1946 os refugiados começaram a abandonar Xangai, com destino principalmente aos Estados Unidos, Israel e Austrália.

Os personagens no Brasil

Bóris Stycer rumou para os Estados Unidos no último navio, o S.S. Gordon, em 19 de maio de 1949, dez dias antes de Mao Tse Tung entrar em Xangai. Veio para o Rio de Janeiro em 1960, quando se casou com Sonia. O casal tem dois filhos e mora no Leblon.

Artur Marceli Gotesman embarcou para os Estados Unidos em setembro de 1946 e veio para o Rio de Janeiro em 1954. Trabalhou com importação e exportação e mora em Copacabana.

Gênia Rosenstein saiu de Xangai em junho de 1946 para a Austrália. Em 1960 veio para o Rio de Janeiro, onde se casou pela segunda vez, e trabalhou primeiro no Hias e depois na Universal Pictures. Como sua irmã, Mina Stark, mora no Flamengo.

Iossef Tekoa, depois de servir no Brasil, foi embaixador de Israel na União Soviética e nas Nações Unidas. Quando encerrou a carreira diplomática foi nomeado reitor da Universidade do Neguev. Morreu prematuramente.
Goya foi condenado a vários anos de prisão como criminoso de guerra.

Chiune (Sempo) Sugihara foi demitido pelo Ministério das Relações Exteriores japonês em 1947. Nos últimos anos surgiram versões de que ele era, na verdade, um agente secreto a serviço não se sabe bem se do próprio Japão, se da Polônia ou da União Soviética. A mais convincente e amplamente aceita, porém, continua sendo a de que era um jovem diplomata que agiu desinteressadamente, salvando judeus das mãos dos nazistas por puro sentimento de solidariedade. Em 1985foi proclamado “um dos justos entre as nações” pelo Iad Vashem. Morreu em 1986.

Jan Zwartendijk voltou para a Holanda depois que os soviéticos fecharam seu consulado. Morreu em 1976. O Iad Vashem o proclamou “um dos justos entre as nações” em 1997.

David Markus partiu de Xangai em 12 de dezembro de 1946 no navio francês André Lebon. Tentou entrar na Palestina do Mandato Britânico, sem sucesso. Veio para o Rio de Janeiro em 1951. De seu casamento com Lula Weigler nascemos eu e meu irmão, Paul. Foi redator e depois proprietário do jornal ídish fundado em 1929 Imprensa Israelita-Ídishe Presse, que saiu de circulação em 1988. Em 1955 fundou, na Rádio Mundial, o programa radiofônico diário A Voz Israelita, que foi ao ar até 1983 e no qual, no final da década de 1960, estudante de segundo grau, iniciei-me no jornalismo. Simultaneamente foi, durante décadas, correspondente dos jornais Maariv, de Tel Aviv, Jewish Chronicle, de Londres, e Forverts, de Nova York, assim como da Jewish Telegraphic Agency, de Nova York. Morreu em 27 de maio de 2000.

7.8.08

Frase de Siné provoca guerra verbal na França



Apesar do verão e das férias coletivas, os franceses envolveram-se com todas as armas retóricas na polêmica em torno de um comentário de Siné, cartunista e colunista do jornal satírico Charlie Hebdo. Siné foi demitido após escrever uma nota sobre o noivado do jovem Jean Sarkozy, filho do presidente, com a milionária herdeira judia Jéssica Sebaoun-Darty. Comentando o boato de que Jean, que começa a fazer carreira política, vai se converter ao judaísmo para se casar, Siné fez uma piadinha que alguns judeus apontam como anti-semita. “Ele vai se dar bem na vida, esse garoto!” escreveu.

A demissão do cartunista, 79 anos, símbolo de um humor francês iconoclasta e anárquico, que desconhece hierarquias, foi uma surpresa, até porque o Charlie Hebdo ficou conhecido por sua irreverência e defesa da liberdade de expressão (defendeu, por exemplo, a publicação das charges de Maomé, que levaram o autor a ser ameaçado de morte por radicais islâmicos). Siné não admitiu demitir-se e desafiou seus críticos em artigo na revista Le Nouvel Observateur: “Eu nunca fui anti-semita, não sou anti-semita e nunca serei anti-semita”, afirmou. “Condeno categoricamente aqueles que o são, mas tampouco respeito aqueles, judeus ou não judeus, que lançam essa palavra obscena na cara dos adversários para desacreditá-los, pois é óbvio que essa acusação é o supremo insulto desde o Holocausto. Isso está ficando realmente insuportável!”

O jornalista Claude Askolovitch, que lidera as hostes anti-Siné, diz que, por trás da frase, existe a idéia preconcebida de que todos os judeus são poderosos e privilegiados. Outro comentário de Siné, de que preferiria uma mulher muçulmana com véu a uma judia depilada, foi mais uma gota d’água no copo das acusações mútuas.
O velho cartunista está sendo amplamente apoiado por abaixo-assinados e cartas-abertas publicadas na Internet, em sites visitados por centenas de milhares de pessoas, que acusam o jornal de não ser mais o mesmo e ter aderido a uma “caça às bruxas”.

Entre os que concordam com as críticas a Siné está o famoso filósofo Bernard-Henri Levy, que acha que é preciso, sim, denunciar qualquer insinuação baseada em estereótipos raciais, ainda que feita com aparente leveza. Em artigo para o Le Monde, ele afirmou que « a crítica das religiões, de todas as religiões, à maneira de Voltaire, é uma coisa – sadia, bem-vinda, útil a todos e em particular, talvez, aos próprios fiéis. O racismo, o anti-semitismo, são outra coisa – odiosa, indesculpável, mortal para todo mundo e que não se pode, em nenhuma hipótese, confundir com a primeira”. O que conta são as palavras, diz o filósofo. E, além das palavras, também contam a História, a memória e o imaginário que elas veiculam.

A coluna de Bernard Henri Levy pode ser lida em www.lemonde.fr/archives /article/2008/07/21/de-quoi-sine-est-il-le-nom-par-bernard-henri-levy_1075542_0.html

Em busca de solução para a mulher aguná

Um grupo de rabinos ortodoxos reuniu-se em segredo na Universidade de Manchester, Inglaterra, há duas semanas, para discutir soluções para as mulheres que não conseguem obter o divórcio: a notícia, do Haaretz, informa que o grupo, que incluía Shlomo Daichovsky, o juiz mais antigo da suprema corte rabínica em Jerusalém, busca redigir um adendo para a ketubá, o contrato matrimonial judaico, que possibilitaria anular o casamento se o marido recusar-se a conceder o divórcio. Desse modo, a esposa não ficaria para sempre na condição de aguná (literalmente, acorrentada) e poderia se casar novamente.

Segundo organizações femininas, há milhares de mulheres, em Israel e outros países, que tiveram o divórcio recusado pelos maridos. Não vivem mais com eles, mas não conseguem refazer suas vidas de acordo com a lei judaica, pois esta diz que continuam presas pelo contrato. Entre as alternativas consideradas na reunião, e descartada por ser muito ousada, estaria a de permitir que rabinos desconsiderassem o contrato e liberassem, em alguns países, o casamento civil da mulher aguná. Outra idéia foi a de introduzir acordos pré-nupciais impondo multas aos maridos que se recusarem a dar o divórcio. Esse tipo de acordo já está em pleno uso nas comunidades ortodoxas dos EUA.