30.4.09

Com olhos em Gaza

“A questão do Oriente Médio costuma ser reduzida ao conflito entre palestinos e israelenses, no qual todos os árabes apoiam, pelo menos na retórica, os primeiros, e os países desenvolvidos do Ocidente – especialmente os EUA – dão sustentação a Israel. Este modelo binário de interpretação, no qual eram delineados apenas dois lados, é ainda uma herança do maniqueísmo que caracterizava muitas das análises políticas durante o período da Guerra Fria. Mas o Oriente Médio é exemplo típico do que não pode ser tratado num esquema binário, mas no plano da complexidade”.

Assim começa o artigo de Dina Lida Kinoshita e Esther Kuperman cuja íntegra pode ser lida na revista on line Versus [ www.versus.ufrj.br/vs_n1/vsn1_debate.html ], do Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O título faz alusão ao livro Sem Olhos em Gaza, de Aldous Huxley, que por sua vez aludia a um verso do poeta inglês John Milton sobre Sansão, o herói bíblico escravizado e cegado pelos filisteus.

“Contrariando Huxley, mostramos que é possível ver a paz nos arredores de Gaza”, dizem as autoras. Kinoshita é doutora em Física, professora da USP e membro do Conselho da Cátedra Unesco de Educação para a Paz, Direitos Humanos, Democracia e Tolerância. Kuperman é historiadora, doutora em Ciências Sociais e membro da Coordenação dos Amigos Brasileiros do Paz Agora.

Elas lembram que não se pode analisar a situação atual no Oriente Médio sem levar em conta a mudança de poder em Washington. O diálogo já em curso com setores que o ex-Presidente Bush definia como “as forças do mal”, inclusive o Irã, pode acarretar grandes mudanças na região e o esvaziamento do discurso da segurança, dizem. Além do mais, não se pode esquecer que a descarbonização energética prometida pelo governo Obama pode diminuir, num futuro nem tão distante, a importância estratégica do Oriente Médio, relativizando antigas alianças.

Lerer Tabak, um professor muito especial


por Rose Esquenazi, jornalista)

Pejsach Tabak, mais conhecido como lérer (professor) Tabak, nasceu em 1908, na impronunciável Ojdrietyze, Polônia. Em 1934, aceitou o convite para dar aulas para a comunidade judaica no Brasil, enfrentando um grande desafio. Ele iria deixar a cidade de Lublin, onde lecionava, e rumar para o desconhecido Rio de Janeiro, deixando toda a família na Europa. Curiosamente, as boas vindas no navio, no dia da chegada ao Brasil, foram dadas por Sara Goldstein, que viria a ser a sua mulher e grande companheira de toda a vida.

Sara chegara três anos antes ao Brasil. Nascida em Widz, na Polônia, localidade próxima à Vilna, chamada de “Jerusalém da Lituânia”, mudou-se com a família para a Sibéria, onde pôde estudar. Ao voltar para a cidade natal, percebeu que o antissemitismo era crescente e ameaçador. Os alunos judeus não podiam se sentar nos mesmos bancos dos poloneses nem cursar a universidade.

No Brasil, Sara representou a sociedade de imigração judaica Hias, que protegia as mulheres que chegavam ao país desamparadas e sem documentos. Essas moças, muitas vezes, eram alvo de máfias de exploradores de mulheres. Eles costumavam iludir jovens judias que vinham de vilarejos pobres da Europa, muitas vezes com promessas de trabalho digno e até casamento.

No Rio, Pejsach e Sara tomaram a iniciativa de reerguer o Colégio Scholem Aleichem, fundado em 1928 por um grupo de ativistas sociais. Nos bons tempos, esse estabelecimento de ensino teve a direção do fabulista Eliezer Steinbarg.

Mas, em 1934, o colégio passou por difíceis crises financeiras e mudou várias vezes de linha pedagógica. Sara e Pejsach se casaram nesse mesmo ano e também enfrentaram dificuldades. Para reerguer o colégio, lérer abriu mão de seu salário durante um ano. Por essa razão, o casal decidiu morar em uma dependência do próprio colégio, então na rua Paula Souza. Os alunos começaram a chegar e os pais passaram a confiar no trabalho feito pelo educador. Pejsach não se limitava à educação formal: promovia, junto com os demais professores, concertos, conferências e academias literárias. Agora, as crianças podiam aprender idish, história e cultura judaica.

Anos mais tarde, o colégio mudou de endereço. Na Rua Ribeiro Guimarães, 178, na Aldeia Campista, passou a contar como a participação dos pais, que se tornaram ativistas. O caráter da escola foi definido nas palavras de Pejsach Tabak:

“Moderna em sua metodologia educacional, laica e humanitária em seu espírito. Além disso, fazia questão, através das disciplinas judaicas, folclore e canto das festas tradicionais, de cultivar nos alunos o amor ao Brasil, ao povo brasileiro e à sua cultura, com interesse pelo seu progresso e bem-estar”.


Colégio Eliezer Stainbarg, 1959 (arquivo da família)


Em 1946, depois da Segunda Guerra, Pejsach e os ativistas que o acompanhavam decidiram fundar uma nova instituição de ensino. O projeto incluiria a Casa do Povo, onde haveria a ampliação das atividades culturais. Assim nasceu o Instituto Israelita Brasileiro de Cultura e Educação. Na direção central, havia 42 pessoas muito especiais. Em suas rápidas memórias, o lérer faz questão de citar os “inesquecíveis Tuli Lerner e Isaac Coiffman”.

Curiosamente, o grande arquiteto Oscar Niemeyer ofereceu um projeto para a Casa do Povo, que seria instalada no terreno comprado na Rua Haddock Lobo, na Tijuca. Infelizmente, este projeto não foi preservado, nem na casa da família Tabak nem no escritório de Niemeyer. Talvez devido a uma reviravolta no final de 1951. O Scholem passou por uma crise ideológica e, ao não concordar com as “tendências radicais” (stanilistas), Pejsach mudou-se com a família para Israel.

A não-adaptação ao país obrigou a volta ao Brasil e, no fim de 1952, o casal empreendeu nova campanha financeira para fundar um novo colégio: o Eliezer Steinbarg. Instalado na Rua das Laranjeiras, o espaço passava a abrigar também o Coro Israelita Brasileira e o Grêmio do Instituto Israelita Brasileiro de Cultura e Educação. Começava assim uma nova etapa na vida educacional e cultural na colônia israelita do Rio de Janeiro.

* Rose Esquenazi é nora do lérer Tabak. Ele teve dois filhos, Israel, jornalista, e Lea, professora.

Cucina Ebraica

Entre os livros de culinária judaica que encontrei na internet nos últimos dias para paparicar meu lado gourmet, gostei desse Cucina Ebraica: Flavors of the Italian Jewish Kitchen [Chronicle Books, $29.95 na amazon], da americana Joyce Goldstein. Porque as receitas são variadas, saudáveis, gostosas sem ser engordativas, com uma variedade enorme de beringelas, e mais alcachofras alla giudia, fritto misto, peixes marinados em ervas. A autora se derrama em elogios à tradição italiana de usar ingredientes frescos e de alta qualidade.

Um século de Rita Levi Montalcini

A mais idosa detentora de um prêmio Nobel, Rita Levi Montalcini fez cem anos semana passada, cercada de homenagens do governo italiano e de seus pares. Ela ainda trabalha em seu laboratório de pesquisas biomédicas e disse à imprensa que se sente mais inteligente hoje do que quando era estudante. Graças à plasticidade neural, o cérebro não envelhece como o corpo, desde que se mantenha em atividade, garante. Ainda quando morrem neurônios, os que restam se reorganizam para manter as mesmas funções, desde que estimulados por trabalho, curiosidade, paixões...

Nascida em Turim numa família judia burguesa, Rita se escondeu quando o governo fascista de Mussolini impôs restrições aos judeus, durante a Segunda Guerra, e viveu um tempo fora do país. Tornou-se uma das mais respeitadas neurocientistas da atualidade. Em 1986, dividiu o Nobel de Medicina com o norte-americano Stanley Cohen pela descoberta dos mecanismos que regulam o crescimento celular, o que vem a ter consequências para as pesquisas ligadas a doenças do envelhecimento, como o mal de Alzheimer.

A cientista diz, no livro Elogio da Imperfeição[Editora Nobel, São Paulo, 1991, tradução de Marcella Mortara & Valerio Mortara], que o nazismo e o fascismo apelaram ao cérebro “emocional” dos povos alemão e italiano, conduzindo-os sem apelar para a razão.

“A razão é filha da imperfeição dos seres humanos. Nos invertebrados, tudo está programado: eles são perfeitos. Já nos seres humanos, imperfeitos, o recurso à razão e à ética se tornou essencial, o mais alto grau de evolução darwiniana”.
Sobre sua recusa ao papel que a família esperava dela, lembra:
"Desde menina tive o empenho de estudar. Meu pai queria me casar bem, que fosse uma boa esposa, boa mãe... E eu não quis. Fui firme e confessei que queria estudar...Meu estimulo foi também o exemplo do médico Albert Schweitzer, que estava na África para ajudar com a lepra. Desejava ajudar aos que sofrem, isso era meu grande sonho!”
[hoje Rita Levi Montalcini apóia projetos que ampliam a escolaridade das meninas em países africanos].

12.4.09

Arte contemporânea sobre tradição


Repensar e redefinir objetos rituais já é uma tradição dos artistas judeus ocidentais, acolhida por museus como o Contemporary Jewish Museum de San Francisco. Agora, 80 artistas expõem ali -- até 2 de junho – sua visão sobre o significado e as formas do prato do seder de Pessach, que fica no centro do ritual que simboliza a libertação da escravidão no Egito.
Outros expõem seus inovadores suportes e suas intenções de pensar o contemporâneo no Jewish Museum de Nova York, caso de Neil Goldberg, com esse "Matzah e papel em resina e rodinhas" acima. Mais detalhes sobre este multi-artista em http://www.neilgoldberg.com

Apoio à diplomacia nos EUA

Uma pesquisa de opinião feita com judeus norte-americanos pelo lobby pacifista J Street mostra que as pombas estão ganhando dos falcões no momento (a terminologia vem da guerra do Vietnam, mas ainda se usa). Há grande apoio aos esforços diplomáticos de costurar um acordo de paz, ainda que em troca de concessões antes vistas com desconfiança.

  • Segundo a pesquisa, 69% dos judeus norte-americanos aprovariam o envolvimento firme do Governo Obama no sentido de articular a paz no Oriente Médio, mesmo que isso signifique pressionar israelenses e árabes a cederem em pontos que hoje parecem ímutáveis.
  • Também 69% dos entrevistados apóiam a disposição dos EUA de negociar com uma Autoridade Palestina que reúna Hamas e Fatah.
  • Esse apoio foi mantido mesmo quando os entrevistados foram informados que os EUA classificam o Hamas de organização terrorista. Outra pesquisa, conduzida pelo Truman Institute na Universidade Hebraica de Jerusalém, relatou que 69% dos israelenses também admitem que Israel se sente à mesa de negociação com Hamas-Fatah.
  • A solução de dois Estados é apoiada por 76% dos entrevistados.
  • A ação militar de Israel em Gaza foi aprovada por maioria de 3 a 1. Na prática, a ação não teve impacto profundo sobre a segurança de Israel, opinaram 59% dos entrevistados. Mas 41% acharam que a ação militar tornou o país mais seguro.

Irmãos Coen e Michael Chabon

Se você é, como eu, fã de carteirinha dos irmãos Joel e Ethan Coen, pode ler tudo sobre eles em http://coenbrothers.net/blog. Foi lá que acabei de saber que o filme A Serious Man (a história da desagregação da família Gopnik no final dos anos 60) não ficará pronto a tempo de concorrer ao Festival de Cannes, em maio.

Nada menos que oito dos 13 filmes da dupla já estiveram em Cannes. E eles ganharam o último Oscar de melhor filme, direção e roteiro por Onde os fracos não têm vez. Os irmãos dizem que entre seus planos no futuro próximo está a filmagem do livro The Yiiddish policemen's union / Academia Judaica de Polícia (editora Companhia das Letras).

E que livro!!! De zero a dez, eu daria dez para este texto de ficcão irônico, contundente, empático, de Michael Chabon, com excelente tradução de Luiz A. de Araújo e glossário de George Shlesinger.

Chabon, considerado um dos mais originais escritores norte-americanos contemporâneos, cresceu ouvindo os avós maternos falarem idish, e já teve seu livro Garotos Incríveis levado ao cinema. Academia é um inusitado romance policial noir cheio do som do idish, misturado ao "americano", e de referências judaicas. Um derrotado e pessimista detetive Meyer Landsman, sempre acompanhado por seu primo filho de judeu com índia, faz lembrar os anti-heróis de Hammett e Chandler, só que circulando num Alasca transformado em terra provisória cedida aos judeus pelos EUA depois da derrota para os árabes em 1948.

11.4.09

Do Museu Albert Kahn

A meia hora de Paris, em Boulogne-Billancourt, o Museu Albert Kahn é popular por seus jardins de diferentes estilos (japonês, francês, inglês, mais orquidário e roseiral). Para os aficcionados por fotografia e História, é a sede dos “Archives de la Planète”, memória viva dos 50países visitados, entre 1910 e 1931, por fotógrafos patrocinados pelo filantropo e banqueiro judeu Albert Kahn (1860 - 1940).

Kahn, um típico representante da ilustração e da confiança no progresso que se firmou na Europa dos primeiros anos do século XX, tinha sua utopia: achava que o reconhecimento mutuo era um passo essencial para a humanidade viver em paz. E para isso que meio melhor do que a fotografia, com sua linguagem que dispensa palavras? Os arquivos contêm mais de 70 mil fotos, algumas delas já reunidas em livros, que comprovam que o olhar, o trabalho e a devoção dos seres humanos se parecem do Oiapoque ao Chuí... ou do Polo Norte à Patagônia.

As fotos abaixo, de Jerusalém em 1925, são de Camille Sauvageot.












Marrakesh em 1912, em tons de sépia, foto de Stéphane Passet