11.12.10

LOGOCAUSTO, poema de Leandro Sarmatz

Uma língua de mortos. Idioma anti-segredo, a sibilar no espelho
seu eco de cova no indo-europeu ainda.
Todas aquelas bocas costuradas, milhões de bocas e mais nenhuma.
Onde haverá céu para suportar tantas vozes elevadas?

Onde encontrar a malícia, aquela impertinência duradoura?
(Luz do leste reprojetada em tumbas: sintaxe que se sente
em casa. Expulsa
e vai: expulsa.) 

Palavras não são coisas nem pessoas. 
São um nada, uma piada, uma praga, um lamento surdo
um exílio.

E essa morte infinita, multiplicada, 
boca contra boca ouvido contra ouvido
boca e olvido — verme, terra e vernáculo. 

Vozes submersas: e eu petrificado, gaguejando minha mudez-cimento.
Uma calma forjada: porque se eu soubesse conversar com as sombras,
se eu mastigasse as palavras, e delas um suco que não fosse áspero escorresse abrindo os diques da memória,
irrigando os rios-palavras,
fertilizando campos do idioma — 
aí sim: eu estaria mais só do que já estou.

 [Logocausto, Leandro Sarmatz. Editora da Casa, 2009]

 

Há muitas noites na noite de Tendler e Gullar

A videoinstalação Há muitas noites na noite, do cineasta Silvio Tendler, em cartaz no Oi Futuro de Ipanema, foi prorrogada até 30 de janeiro de 2011. O projeto é uma homenagem ao Poema sujo, a polêmica obra do premiado escritor e ensaísta Ferreira Gullar, um dos fundadores do neoconcretismo, que completou 80 anos no último dia 10 de setembro.

 
No espaço, o cineasta concebeu um café literário, que funciona como work in progress para os dois próximos projetos de Tendler, que incluem o desafio de levar o projeto homônimo para a TV e para o cinema. Inaugurada no dia 7 de novembro, a mostra conta com sessões especiais, nas quais atores caracterizados de garçons passeiam performaticamente entre as mesas, recitando poesias e oferecendo um cardápio literário. Maria Bethânia, Osmar Prado, Zeca Baleiro, Ziraldo, Walter Carvalho, Amir Haddad, Camila Pitanga, Zuenir Ventura, Edu Lobo e Alcione são algumas das personalidades que fizeram a leitura dos poemas exibidos na exposição.
 

Neste ano, em comemoração aos 80 anos, Gullar lançou um novo livro de poemas, Em alguma parte alguma, depois de 11 anos desde a edição de Muitas vozes, em 1999, pela editora José Olympio. Além disso, publicou Zoologia bizarra, um livro com suas colagens a ser lançado pela Casa da Palavra.

1.12.10

Para Sempre Perlman

De Marcel Gottlieb, recebemos a mensagem.  
Segue abaixo a belissima cronica de meu amigo Clóvis Marques (http://opiniaoenoticia.com.br/cultura), um monumento no jornailsmo musical de nosso pais. Obrigado, Clóvis - os amantes da musica desta cidade agradecem !!!

Para sempre Perlman

Perlman dá a impressão de um espírito alerta, o que se traduz no brilho do olhar e no sorriso matreiro. Por Clóvis Marques

22/11/2010
Itzhak Perlman excursionou estes dias pelo Brasil com seu violino de sonho. Nós, os adoradores de sua arte inconfundível, aguardávamos ansiosos e um pouco temerosos: será que a idade pode comprometer o poder de sedução de um violinista?
Alguém lembrou, no recital do dia 15, no Teatro Municipal do Rio, que Yehudi Menuhin passou maus bocados na etapa mais avançada da carreira. Corria a década de 1980, quando ele ia além dos 70 de idade, e não eram raros os episódios de entonação duvidosa, notas saltadas, pressão inconstante do arco sobre as cordas, resultando em sonoridades estranhas…

Os pianistas, comentou meu interlocutor, evocando um concerto do velho Emil Gilels, avançam mais impolutos no tempo. Mas nem sempre: de minha parte, lembro do recital de um Claudio Arrau octogenário que me deixou perplexo com a mistura de soberana musicalidade, imperial convicção e fragilidade física…

Mas Perlman está com 65 apenas. Além da cabeleira prateada, sua figura não tem mais, é verdade, a robustez de outros tempos – ou da última vinda ao Brasil, em 1998. Ele está mais magro e parece um homem de idade. Quando se dirige ao público, contudo, a voz é o mesmo baixo ressoante que lhe rendeu participação especial no papel do carcereiro na gravação da Tosca de Puccini feita em 1981 por James Levine, com Scotto e Domingo. E Perlman também dá a impressão de um espírito alerta, o que se traduz no brilho do olhar e no sorriso matreiro.

Menuhin se baseava em uma filosofia e uma prática budistas para ambicionar em sua arte o equilíbrio corpo/mente de um arqueiro zen, o que não foi suficiente para eximi-lo das descontinuidades da velhice no trato do violino – nem da acusação de praticar menos do que deveria a partir de certa idade…
Perlman, de sua parte, tem uma concepção integrada da arte musical. Perguntei-lhe certa vez, numa entrevista, se a beleza do som, a adequação estilística, a fidelidade ao compositor ou a liberdade pura e simples é que mais importava ao tocar. "Nunca penso em termos de aspectos diferentes", respondeu ele. "Considero que o mais importante é fazer música, em seu sentido mais profundo. E o violino ajuda, pois vibramos com ele, o instrumento e o músico são uma coisa só."

É a mesma inteireza que constatamos, em seu caso, na fusão inconsútil de técnica e arte, expressão e sentimento, concentração e comunicação. No recital do outro dia, foi mais uma vez especial constatar como a variedade das peças – sonatas de Mozart, Strauss e Debussy – era observada, honrada e engrandecida sem prejuízo das características tão caras desse intérprete generoso e doador.

Tais características mudaram, claro. Talvez a sonoridade dourada e caramelada que o distinguiu sempre já não se projete com uma majestade tão plena e constante (ressalvo que eu estava a uma distância maior que a habitual). Aquilo que há dez ou vinte anos nos parecia vertiginosa insolência da perfeição (sonora, técnica, musical, expressiva, estilística), com o corolário de uma aparente falta de espontaneidade ou até vibração, já não se impõe com o mesmo fulgor. Perlman estaria menos altivo, mais próximo.

Mas a pureza tonal, a sutileza do vibrato e a extensão do legato, a plenitude do canto e a agilidade que se faz íntima com a música estavam lá, maravilhosas na delicadeza quase "neutra" de Mozart, na afirmação varonil dos temas imperiosos e das texturas quase orquestrais de um Strauss ainda juvenil, na linearidade diáfana e inquieta de um Debussy alquebrado pelo sofrimento no fim da vida.

É comum um artista do seu quilate – e mesmo, diria, de sua condição já mítica – ser acompanhado por um profissional de alto coturno que não se alça aos mesmos níveis de transcendência. O próprio Perlman, no entanto, já nos surpreendera aqui, da outra vez, com um pianista – Samuel Sanders, seu acompanhador durante cerca de três décadas – que entrava também com um manancial de individualidade e invenção. Alguns melômanos brasileiros se lembrarão do magnífico artista de pleno direito que foi, acompanhando Teresa Berganza na mesma época, o pianista Juan Antonio Alvarez Parejo.

Desta vez Perlman percorre o mundo (foi também ao Chile, seguindo para Japão e Coreia, depois de ter solado na abertura da temporada da Filarmônica de Nova York) com o pianista Rohan de Silva, originário de Sri Lanka, que pode não ter esbanjado sutileza (sobretudo no Mozart, quando ambos ainda estavam esquentando), mas não negou fogo no constante jogo do toma-lá-dá-cá com o parceiro.

Para encerrar o recital, um rosário de extras e bombons que vale, aqui, enumerar: uma Siciliana e rigaudon de Fritz Kreisler parodiando estilos antigos; a miniatura Ao pé da fogueira, do mineiro Flausino Vale (1894-1954); um tema da trilha do filme A lista de Schindler, composta por John Williams e consagrada por Perlman; um Caprice de Wieniavsky; o Tango de Albenis adaptado por Kreisler; a Dança húngara nº 1 de Brahms transcrita por Joseph Joachim e, para não deixar de terminar com todos os fogos de artifício, a Ronde des lutins de Basini.

E todos foram para casa felizes (Clóvis Marques - nov 2010)
***
Alguns grandes momentos de Itzhak Perlman (nascido em Tel-Aviv, Israel 1945), recomendados por Gottlieb:

Pablo Sarasate: "Zigeunerwiesen":
http://www.youtube.com/watch?v=wEmbFSiJzEQ
 John Williams: "A Lista de Schindler" - motivo principal:
http://www.youtube.com/watch?v=ueWVV_GnRIA
 Tchaikovsky: Valse Scherzo Op.23:
http://www.youtube.com/watch?v=8La4ix318GE
 Bach: Partita No. 3 em mi menor - Gavotte - aos 13 anos, trecho de um filme de Christopher Nuppen:
http://www.youtube.com/watch?v=DNo6AD9z1WQ
 9. Halvorsen: Passacaglia sobre um tema de Haydn - com Pinchas Zukerman                                              
http://www.youtube.com/watch?v=pAKA3rLENGU
Tocando Musica Klezmer:
http://www.youtube.com/watch?v=DkmFgQ9fM94&feature=related
Gardel: Por una Cabeza:
Perlman (com John Williams regendo):  http://www.youtube.com/watch?v=kigoRVhyaf4&feature=related
Filme - "Perfume de Mulher" (1992):  http://www.youtube.com/watch?v=dBHhSVJ_S6A&feature=related
Antonio Vivaldi: Concerto em re maior para 2 violinos - com Isaac Stern:
http://www.youtube.com/watch?v=76RnSbRyUqA
Para finalizar - "algumas coisas são fáceis para voce e dificeis para mim..." - MARAVILHOSO:
http://www.youtube.com/watch?v=z3richcoCUI&feature=related

25.11.10

Ahmadinejad não disse o que disse!

Não adianta explicar, explicar, explicar, explicar, tem gente que não quer entender mesmo! Em entrevista a um grupo de blogueiros que lhe são simpáticos, o Presidente Lula declarou ontem, sobre a posição de Mahmoud Ahmadinejad a respeito do Holocausto (que o iraniano negou reiteradamente): "Ele explicou que o que ele quis dizer, na verdade, era que morreram 70 milhões de pessoas na Segunda Guerra, e parece que só morreram judeus".


Os judeus são mesmo uns exagerados, diria um ouvinte ignorante ou desavisado...

Enquanto Lula fazia tais apreciações aparentemente banais, mas que embutem uma perversidade, a jornalista norte-americana Roxana Saberi era recebida na Comissão de Direitos Humanos da Câmara. Ela ficou presa por cem dias no Irã e agora anda pelo mundo em campanha contra o desrespeito aos direitos civis e humanos no país. Pediu para ser recebida pelo Presidente, mas não o foi; o tema Irã está blindado pela assessoria internacional do governo.

Por esse tipo de coisa é que a gente aplaude iniciativas como, entre outras, a da socióloga Helena Lewin,que está levando estudos do Holocausto aos professores das escolas do Estado do Rio.

Tempo de Chanuka


23.11.10

Noel Rosa e o judeu da prestação

Celebra-se o centenário, em 2010, de um dos grandes gênios brasileiros, o compositor Noel Rosa, que morreu antes de completar 30 anos. Ele foi um cronista atilado de sua época (em que ainda não havia a mania do politicamente correto) e dos costumes cariocas, e falou de tudo e de todos, inclusive dos judeus da prestação, os "klientelchik". O trecho abaixo está no livro Judeus da Leopoldina, edição de 2007 do Museu Judaico do Rio de Janeiro:
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A imagem estereotipada "estigmatiza as diferenças" ao circular como verdade social, no dizer de Roland Barthes. E o "judeu da prestação" tornou-se tão visível no cenário urbano brasileiro, entre as décadas de 1920 e 1950, que o estereótipo volta e meia se repetia, de forma mordaz, em piadas, em caricaturas na imprensa e na música popular. Em São Paulo, o compositor Adoniran Barbosa criou um conhecido personagem, o "judeu da prestação Moisés Rabinovic". No Rio, o compositor Noel Rosa incluiu a figura em sambas satíricos como São Coisas Nossas e Quem dá mais.

Em Quem dá mais, ao traçar o que seria um leilão das maiores riquezas brasileiras -- a mulata, o samba e o violão -- Noel diz:

"Quem dá mais.../Por um violão que toca em falsete/ Que só não tem braço, fundo e cavalete/ Pertenceu a dom Pedro, morou no palácio/ foi posto no prego por José Bonifácio?/ Vinte mil réis, 21 e 500, 50 mil réis! / Ninguém dá mais de 50 mil réis? / Quem arremata o lote é um judeu, / Quem garante sou eu, / Pra vendê-lo pelo dobro no museu (...) (* 1)  

Como outros letristas, Noel às vezes recorreria a simplificações, porém nunca teve os judeus como alvos preferenciais. Observador social arguto que circulava com desenvoltura entre Vila Isabel, o centro e os subúrbios, não podia deixar de observar os prestamistas percorrendo as ruas com suas pesadas malas, seus pesados embrulhos, vendendo, vendendo, vendendo... Assim, nada mais natural que incluí-los em São Coisas Nossas:

"...Morena bem bonita lá da roça, / Coisa nossa, coisa nossa. / Baleiro, jornaleiro,/ Motorneiro, condutor e passageiro, / Prestamista e vigarista/ E o bonde que parece uma carroça, / Coisa nossa, muito nossa! (...) 

Em Cordiais Saudações, samba epistolar falando de dívidas, Noel atira para todos os lados e mira também no cobrador judeu:

"...Eu hoje sinto saudades/ daqueles dez mil réis que te emprestei. /Beijinhos no cachorrinho, / Muitos abraços no passarinho/ Um chute na empregada, / Porque já se acabou o meu carinho./A vida cá em casa está terrível /Ando empenhado nas mãos de um judeu/ O meu coração vive amargurado / Pois minha sogra ainda não morreu (tomou veneno, e quem pagou fui eu)..."

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NOTA
1 - "Este verso é um dos dois que valerão a Noel, muitos anos depois de sua morte, a acusação de anti-semita. Mas quem se lembrar do que representou a figura do prestamista em sua infância (e de como judeu era a denominação genérica, ainda que imprópria, daquele tipo de comerciante) sabe o que ele está querendo dizer" (Máximo, João, e Didier, Carlos, Noel Rosa, uma biografia, Editora Unb, pág. 167).

Ronaldo Wrobel fala sobre literatura, a propósito do lançamento do livro "Traduzindo Hannah"

(publicada no Jornal do Commercio, Recife, em 02/11. Ronaldo participou semana passada da Fliporto, que este ano homenageou Clarice Lispector).

1- Este é o seu segundo romance. Tanto Traduzindo Hannah como Propósitos do acaso tinham algum pano de fundo histórico por trás. Seria essa a marca da sua literatura, a dependência de algum contexto histórico?

1. Não me considero dependente de contextos históricos, pois também escrevo contos contemporâneos, mas a verdade é que os meus dois romances têm apelo histórico. Talvez isso aconteça porque cresci ouvindo histórias de tios e avós europeus, fugidos do comunismo e do nazismo. Eram histórias épicas, cheias de dramas e esperanças, com cenários incríveis e até trilhas sonoras. Esse clima impregnou minha vida. Dizem que sou um bom contador de histórias, capaz de transformar um relato qualquer numa saga bíblica. Devo isso aos meus parentes, sem dúvida. Adoro romances históricos e, por sinal, estou lendo Equador, de Miguel de Sousa Tavares, uma excelente recriação de época.

2 - A sua família é judia e você já publicou um livro sobre manifestações festivas dos judeus. Que tipo de peso o fato de ser judeu tem para sua literatura?

2. Judeus adoram contar e ouvir histórias, anedotas, sagas, citações. As cerimônias religiosas têm sempre alguma história, que é a parte mais interessante dos ritos. O próprio judaísmo começou com a tradição oral, aquilo que o marketing chama de propaganda boca a boca. “Traduzindo Hannah” é cheio de parábolas judaicas, algumas tradicionais. Uma das parábolas foi contada por uma senhora judia, dona de uma mercearia perto da minha casa, a propósito de uma fofoca contra sua filha. Judeus costumam ter histórias na ponta da língua, quase sempre com uma lição no final.

Não sou religioso nem fechado em circuitos judaicos, mas o judaísmo é mais do que uma religião, é uma cultura cheia de traços laicos. Basta pensar naquele espírito questionador, naquela densidade emocional mostrada por cineastas como Woody Allen e Mel Brooks. Tenho um amigo judeu que é ateu convicto, mas esbanja judaísmo ao falar que Deus não existe. Como? Questão de estilo. Judaísmo não é só o que se diz, mas como se diz.

3 - Ainda dentro desse território, seria possível pensar na existência de uma literatura judaica, ou você não gosta desses rótulos?

3. Acho difícil falar-se em literatura judaica porque o judaísmo é plural e existem escritores judeus totalmente diferentes uns dos outros. Além do mais, ninguém sabe demarcar as fronteiras entre o judaísmo e outras culturas. O povo judeu vive de assimilar e difundir saberes mundo afora. O que é a literatura judaica? Aquela que fala dos judeus? E o estilo, a estrutura do texto, existe alguma forma judaica de escrever? Acho que não. Percebo, isto sim, um núcleo básico do judaísmo que rende ótimas obras de artistas judeus. Os não-judeus tendem a ficar longe desse núcleo, por motivos que merecem uma boa análise.

4 - O tom de Traduzindo Hannah, como o conceito histórico e sua forma de dirigir a trama, parecem isolados dentro da literatura brasileira contemporânea. Ainda dentro desse raciocínio, você não mantém blog ou twitter ou qualquer outra estratégia de comunicação. Você se sente isolado de alguma forma?
4. Não sei se Traduzindo Hannah tem uma estrutura isolada na literatura brasileira. Será? Deixo a resposta para os leitores. Procurei ser autêntico, não diferente ou inovador. E os trabalhos verdadeiramente autênticos podem ser, inclusive, convencionais. Fiz cursos de roteiro para cinema e talvez por isso alguns leitores digam que meus livros são imagéticos, chegando a lembrar das histórias como se fossem filmes. Mas minha matéria prima é a palavra, não a imagem. E muito do que eu escrevo não caberia na linguagem audiovisual, como as reflexões que às vezes ocupam páginas inteiras de "Traduzindo Hannah".

Quanto aos blogs e twitters, preciso aprender a lidar com essas coisas. Não adianta querer me isolar num mundo onde o marketing pessoal dita as regras. As pessoas ficam se apregoando na internet, feito camelôs de si mesmas, contando intimidades, inventando novidades. Não é bem o meu perfil. Para que saber o que eu comi ontem à noite ou qual livro andei lendo nas férias? O que eu tiver que dizer, direi através de meus livros. Gosto muito de dar entrevistas e palestras, mas não me sinto um formador de opinião nem tenho ideias interessantes sobre tudo. Meu trabalho de escritor envolve mais suor e disciplina do que glamour. Além do mais, dá muito trabalho manter um blog, até um perfil no Facebook. E falta tempo porque também sou advogado e prefiro usar as horas livres para ler e criar o próximo livro, o que exige silêncio e pesquisa. Mas tenho pensado no assunto com carinho.

5 - Você já publicou por inúmeras editoras em sua carreira. É difícil para um autor em ascensão se fixar no cenário literário brasileiro?

5. Sim, é muito difícil. O Brasil tem milhões de artistas talentosos sem qualquer projeção. Mas não dá para apontar culpados numa realidade tão complexa. Estive numa editora que recebe cerca de cinco mil originais por mês! Como selecionar, separar o joio do trigo? Impossível. O lado bom é que a internet facilitou o contato entre artistas e público. Na literatura isso é mais verdadeiro porque a internet é um veículo perfeito para a palavra escrita, o que não acontece com as artes plásticas, com o teatro ou com a música. Oficinas literárias e grupos de leitura estão pipocando por aí, no mundo real ou virtual.
 
Outra coisa, com o perdão do óbvio: não existe um único cenário literário brasileiro. O país é uma colcha de retalhos. Há autores regionais ou temáticos com ótima projeção nas suas áreas. Acho que o melhor caminho para o escritor estreante é procurar seu nicho e conquistar cada leitor como se fosse o único. O leitor bem impressionado vai recomendar seu trabalho, lembrar de você, cobrar novidades, apontar seus defeitos e suas qualidades, pegá-lo pelo pescoço e gritar: por que você matou fulana??, o que aconteceu com beltrano?? Ouvir uma coisa dessas é a delícia do escritor. Justifica cada letra que você escreveu.

22.11.10

SAMUEL BENCHIMOL: UM POUCO-ANTES, ALÉM-DEPOIS - por José Ribamar Bessa Freire

" Numa crônica divertida, Nelson Rodrigues afirma que os ingleses não existem. A Inglaterra é, portanto, uma paisagem sem ingleses. O inglês, tal como o imaginamos - o gentleman de porte altivo, maneiras elegantes, dotado de sense of humour - é produto da nossa fantasia. Quem, então, mora na Inglaterra? São pessoas como os hooligans, aqueles torcedores violentos, estúpidos e bárbaros. Nelson Rodrigues abre uma exceção: "o único inglês da vida real, de fala mansa e sentimentos nobres, vive no Rio de Janeiro, é o escritor brasileiro Antônio Callado".

As exceções certamente seriam duas, se o cronista tivesse conhecido Samuel Benchimol, nascido ali, na rua Quintino Bocaiúva, em Manaus, no dia 13 de julho de 1923. Paraense por parte do pai, Isaac, cujo berço foi o barranco do rio Tapajós, e amazonense por parte da mãe, Nina, nascida em Tefé, esse canceriano honrou sua dupla identidade amazônica. Mas, apesar disso, continuou sendo um inglês legítimo, porque sóbrio, discreto, elegante, transpirando serenidade, polidez, delicadeza. Enfim, um lorde, de fino trato, com o seu "perfil de medalha, de moeda".

Nos 200 anos da comemoração do judaísmo amazônico, vale a pena ler a íntegra deste artigo sobre o professor Samuel Benchimol no site http://www.taquiprati.com.br/cronica.php?ident=308 O artigo foi publicado pela primeira vez em 08/07/2002 no Diário do Amazonas. 

8.11.10

Pintor revisitado

Quem é Felix Nussbaum ? Com esta pergunta, o Museu de Arte e História Judaica de Paris abre seu anúncio sobre uma importante exposição do pintor, cuja obra foi redescoberta recentemente. A exposição vai até 23 de janeiro de 2011. De família burguesa alemã, Nussbaum foi influenciado pelas vanguardas européias das primeiras décadas do século XX, e encarna o percurso de um artista que, a despeito do talento, acabou sendo definido também pela condição de judeu perseguido. Nascido em 1904, exilou-se na Itália, na Suíça, na França e na Bélgica após a ascensão de Hitler. Em maio de 1940, com o território belga invadido pelos nazistas, foi internado no campo de Saint-Cyprien, sul da França, de onde fugiu, voltando para Bruxelas com a mulher, Felka Platek, artista judia polonesa. Ao ser descoberto seu esconderijo, foi deportado em 1944 para Auschwitz, onde morreu.

Mulheres no Muro

Mais de cem mulheres de reuniram hoje no Kotel, o Muro das Lamentações, para o Rosh Chodesh, primeiro dia do mês de Kislev. E dessa vez não houve violência, ao contrário do ano passado, quando a ativista Nofrat Frenkel foi presa e objetos foram atirados contra o grupo. Mas muita gente ao redor dirigiu impropérios às mulheres, protegidas pela polícia.


As autoridades religiosas que controlam o Muro não querem que haja ali orações feitas por grupos mistos, cerimônias de Bat Mitzvah e cerimônias nacionais. Agora, mais de 400 rabinos de vários países assinaram uma petição exigindo que a polícia de Jerusalém proteja as mulheres que querem rezar e ler a Tora juntas no local. A mulher presa ano passado é membro do grupo Women of the Wall [Mulheres do Muro], que defende os direitos das mulheres usarem xales de orações e lerem a Tora ali.

“As Mulheres do Muro são bem-vindas, como toda mulher judia, ao Muro”, disse o rabino-chefe do Kotel, Shmuel Rabinovich, ao jornal Jerusalem Post. “É proibido que qualquer pessoa as machuque, a violência é totalmente proibida no Muro. Mas eu peço que elas se comportem de acordo com os costumes da área e que não insultem a sensibilidade das outras pessoas que estão rezando”.

Já a organizadora da carta, a rabina Pámela Frydman, de Los Angeles, disse o seguinte:

“É muito importante que sempre haja um lugar para que os homens e mulheres haredim fiquem confortáveis e de acordo com seu entendimento do que é a Halachá. Mas é igualmente importante para aqueles de nós que são ortodoxos modernos, conservadores, reformistas, reconstrucionistas e renovadores, que tenhamos um lugar onde possamos rezar de acordo com o nosso entendimento”.

6.11.10

Mulher rabina na Alemanha, primeira desde o Holocausto


Pela primeira vez em 75 anos, uma mulher foi ordenada rabina nesta quinta-feira na Alemanha, marcando a retomada de uma comunidade judaica devastada pelo Holocausto. Alina Treiger, 31 anos, originária da Ucrânia, tornou-se rabina durante cerimônia emocionante em uma sinagoga do oeste de Berlim, que contou com a presença do presidente, Christian Wulff. Ela é a segunda mulher ordenada na Alemanha. A primeira, também do mundo, tinha sido Regina Jonas, em 1935 - assassinada em Auschwitz em 1944, aos 42 anos.

Com cabelos ondulados loiros escuros e um grande sorriso, Alina era o centro das atenções, mesmo que outros dois estudantes rabinos estivessem sendo ordenados ao mesmo tempo. "Enchamos nossos corações de amor. Estejamos unidos no amor pelo Bem e pela vontade de impedir a violência e o conflito", disse durante uma "oração para a Alemanha" pronunciada ao término da ordenação.

No fim de novembro, Alina Treiger deve assumir a direção da comunidade da cidade de Oldenburg, próxima à Holanda. Ela afirma encarnar "a união de três culturas: judaica, alemã e a da antiga União Soviética". Nascida em Poltava, cidade de 300 mil habitantes que hoje pertence à Ucrânia, Alina Treiger estudou no colégio Abraham Geiger de Postdam, próximo a Berlim. Criado em 1999, foi o primeiro seminário rabínico da Europa continental desde o Holocausto.

Após a queda do Muro de Berlim, a Alemanha abriu suas portas para os judeus do antigo império soviético, vítimas de um forte antissemitismo, fornecendo a eles a nacionalidade alemã. "Na Ucrânia, a religião era esquecida pela metade", contou Alina Treiber.

Desde 1989, cerca de 220 mil judeus da extinta URSS chegaram à Alemanha, que contabilizava, na época, 30 mil judeus, contra cerca de 600 mil antes de Adolf Hitler chegar ao poder em 1933.  Uma boa parte deles partiu, principalmente para Israel. As comunidades judaicas na Alemanha contam hoje com 110 mil membros, quatro vezes mais do que há 20 anos, segundo o Conselho Central de Judeus da Alemanha.

Essa migração em massa permitiu em algumas regiões, principalmente da ex-República Democrática Alemã, a recriação das comunidades aniquiladas pelo Holocausto. Em Berlim, a comunidade judaica conta 11 mil membros, dois terços derivados da então URSS.  No entanto, a integração desses judeus levanta problemas e suscita conflitos. Alguns judeus alemães os acusam de serem "desjudaizados". A chegada desses refugiados teve fim no dia 31 de dezembro de 2004, quando a Alemanha impôs restrições à migração deles.

A ordenação, chamada semikha, é acessível às mulheres unicamente no judaísmo liberal. As raras mulheres rabinos estudaram, em sua maioria, nos Estados Unidos. "É um dia extraordinário!", entusiasmou-se o rabino Daniel Freelander, vice-presidente da União do Judaísmo Progressista da América do Norte. As primeiras ordenações de rabinos na Alemanha depois do Holocausto ocorreram em 2006.

27.10.10

As obras roubadas na Segunda Guerra

Uma organização judaica dos Estados Unidos anunciou a publicação on-line de um registro de 20 mil obras de arte roubadas pelos nazistas na França durante a Segunda Guerra Mundial.

O site www.errproject.org/jeudepaume inclui fotos das obras e a identidade de seus donos e foi divulgado pela "Conferência sobre reivindicações materiais judaicas contra a Alemanha" e pelo Museu do Holocausto dos EUA.

O trabalho, iniciado em 2005, consistiu em digitalizar as fichas do ERR (Einsatzstab Reichsleiter Rosenberg), a agência responsável por confiscar os bens dos judeus nos territórios ocupados pela Alemanha durante a guerra.

As fichas encontram-se atualmente em três centros: a chancelaria francesa, os arquivos nacionais dos Estados Unidos e os arquivos federais alemães, explicou à AFP um dos diretores do projeto, Marc Mazurovsky.

As obras incluídas no catálogo pertenceram a famílias judias, principalmente francesas e algumas belgas, e haviam sido reunidas, inventariadas e expostas pelos nazistas no museu Jeu de Paume de Paris durante a ocupação nazista na França. "Décadas após o maior saque em massa da história da humanidade, as famílias das vítimas podem agora consultar esse registro, que vai ajudá-las a localizar os tesouros perdidos há muito tempo", declarou Julius Berman, presidente da Conferência.

O site permite ver centenas de obras - que vão de pinturas a móveis, vasos ou esculturas - e verificar quem é seu legítimo proprietário, coisas que às vezes os herdeiros ignoram, afirma o professor Wesley Fisher, diretor de pesquisa da Conferência.

 

 

23.10.10

Emanuel Lévinas: o judaísmo do outro homem - por Paulo Blank*

 "Se existe algum sentido para o judaísmo de Israel ele se encontra em Emanuel Lévinas", afirma a PhD Israelense Elizabeth Golwin. Com Lévinas, um filósofo judeu em pleno século XXl, voltamos à raiz hebraica, à Bíblia, aos ensinamentos do Talmud, aos sábios de Vilna, para mergulharmos num mundo marcado desde a criação pela presença incômoda do outro . Como judeu tradicionalista, Levinas nos ensina a pensar o judaísmo enquanto maneira de entender um mundo de homens vivendo na ausência de Deus.

Como mestre, ele chama o judaísmo de uma religião para adultos, enquanto o seu pensamento nos leva a superar a leitura dogmática, infantil, dos textos da tradição judaica. É pela coragem de sua maneira de olhar o mundo real que Emanuel Lévinas e a paixão ética do seu pensamento vigilante são considerados como uma das contribuições filosóficas mais importantes de nossos tempos.

O encontro no CHCJ (quinta-feira, 28 de outubro, 20 horas) não se pretende uma aula sobre o autor. O que queremos com  " O Judaísmo do Outro Homem" é refletir sobre um  judaísmo que desde a sua origem nos coloca como estrangeiros diante de estrangeiros,de perceber o tempo súbito das rupturas,tempo do outro,dos filhos,da renovação e da inquietude,da responsabilidade de uma vida vivida em um mundo do qual Deus está distante. Partindo da Bíblia hebraica e passando pelo Talmud, exercitaremos um modo não linear de meditar sobre a palavra revelada, fonte de um pensamento forte que atravessa os milênios carregando a marca da presença exigente de um outro que nos desafia ao encontro e à responsabilidade.

*  Paulo Blank é psicanalista e escritor, doutor em Comunicação e membro do Judaísmo Humanista/R.J.
O CHCJ fica na ARI, Rua General Severiano, 170/ 6º. Andar –Estacionamento no local. Telefones: (21) 2156.0413 e 2275.7096
                                                        

16.10.10

Klientelshik

O Museu Judaico e a Na'amat Pioneiras lembrarão (21/10, a partir das 17 horas) a figura do Klienteltshik, como ficou conhecido entre os judeus o prestamista que percorria, na primeira metade do século XX, as ruas das grandes cidades brasileiras, batendo de porta em porta, vendendo mercadorias a prestação. O percurso foi árduo, mas muitos dos antigos klientelshiks se tornaram depois bem sucedidos homens de negócios. Esses prestamistas também foram figuras populares nos EUA e na Argentina.
 
A homenagem constará de palestra da professora Helena Lewin e de depoimentos de pessoas que viveram a época, além de uma exposição de fotografias.
 
No Museu (rua México 90, 1o. andar, informações 21-2240-1598 e 2553-0983)

13.10.10

Chagall se move

[enviado por Beatriz Kamergorodski]- bonito até para quem não entende russo...

12.10.10

Marcel Gottlieb: música para compartilhar

Toda quarta-feira, num auditório no Leblon, Marcel Gottlieb leva a um público entusiasmando, via DVDs de altíssima qualidade, as melhores orquestras e os melhores instrumentos do mundo, que passeiam pela obra de Beethoven, Mozart, Mahler, Stravinsky e muitos mais... Dono de vasta cultura musical e mente aberta, Marcel entremeia a apresentação das obras com informações que situam social e historicamente o que se ouve. Ele também organiza programas "a pedidos", e não só da chamada música clássica, pois entre os 3.000 DVDs de sua coleção há outros gêneros.

P: Como essa atividade começou?

R: Meus pais sempre trabalharam muito e eu fui criado pela minha avó, que era professora e dava aulas de Matemática em casa. Ela me ensinou quase tudo. Ela pedia para colocar os discos na vitrola, e me explicava as histórias das musicas e seus compositores, para que eu me motivasse mais a gostar da musica.

Tento fazer o mesmo em minhas palestras: meu objetivo é fazer com que, conhecendo mais, as pessoas consigam sentir mais prazer com a música.

Ha 14 anos, na piscina do clube, amigos meus me desafiaram , dizendo que só eu não reconhecia que a música de que eu gostava, com 200 anos ou mais, já tinha morrido e eu não conseguia ver. Pedi 15 minutos de crédito para fazer uma introdução e garanti que eles iriam gostar também. Fizemos uma reunião na minha casa e foi fácil. Em 15 minutos todas as pessoas que vieram ficaram apaixonadas pela ópera Carmen, de Bizet Comecei explicando como nasceu o livro de Mérimée, depois como Bizet fez a música, etc.... Ganhei a aposta e comecei a me entusiasmar com a atividade.

Os encontros que preparo dependem muito da opinião das pessoas que participam, na hora ou antes, me escrevendo o que acham e o que gostariam que eu apresentasse. A participação das pessoas é que me motiva.

Eu era colecionador de LPs e hoje coleciono vídeos musicais. Meu sonho é criar um ambiente em que as pessoas possam escolher seus programas, uma videoteca comunitária - um "Clube de Amigos" direcionado à musica.

P: Você toca algum instrumento?

R: Estudei piano, mas muito pouco. Gostaria de ter continuado. O motivo pelo qual  parei foi que minha professora era muiiiiiiiiito chata. E me acomodei e me distanciei de tocar. Sempre gostei de ouvir e me bastava. Hoje sinto pena de não ter prosseguido.


P: Viaja para concertos? Em geral, vai em busca orquestras ou de compositores? Quais os favoritos?

Viajo quando posso. Acabei de voltar de um "Nabucco", de Verdi, em Metzadá. INESQUCÍVEL !!! Busco o que gosto e de vez em quando o que eu não gosto, mas sinto que posso acabar gostando. Às vezes, me surpreendo e me apaixono pelo que não conhecia.

Fazendo um esforço para resumir, e esquecendo um mundo de favoritos, alguns deles são:
Orquestras: Filarmonica de Berlim, Israel, Concertgebouw, etc...
Regentes: Solti, Chailly, Jansons, Abbado, Furtwängler, Mravinsky, Bernstein, Barenboim, etc...
Violinistas: Vengerov, Shaham, Oistrakh, Heifetz, Perlman, Stern, etc...
Pianistas: Rubinstein, Horovitz, Barenboim, Lang-Lang, Nelson Freire, Arnaldo Cohen, etc...
Cantores: Maria Callas, Anna Netrebko, Dmitri Hvorostovsky, Peter Gottlieb (meu tio - baritono franco-brasileiro). E muiiiiiiiiiiiiiiiiitos outros


P: Qual é o seu acervo hoje? E a família, curte esse hobby?

R: A familia curte muito e me apoia intensamente. Eu gosto muito mais que os filhos (temos cinco) e a esposa compareçam aos encontros, mas acredito que eles também gostem de ir. Quando sei que vão gostar do tema aviso para irem.

Devo ter 3.000 vídeos. Mais de clássicos, ópera, rock, jazz e MPB. Estou catalogando para poder disponibilizar na videoteca. Já catalogamos 700 DVD's. Este "Clube de Amigos" vai ser muito bom.
 

Israel deve tocar Wagner?

Por causa das notícias de que os isralenses participariam do próximo Festival de Bayreuth (veja post seguinte), perguntei a Marcel Gottlieb como ele se sente em relação a Wagner.

" Já passei por diversas fases. Fui criado pela minha avó, italiana, que detestava Wagner. Ela simplesmente não me mostrou que a musica de Wagner existia. Ao longo do tempo pesquisei e conheci mais a música dele, sempre com "os pés atrás", mas conseguindo saborear a sua grandeza.

 

Hoje consigo dividir, mantendo vivo o desprezo ao que Wagner fez em vida, pois ele não era apenas um antissemita praticante, era um péssimo caráter em várias de suas opções. Sempre levando em consideração as besteiras que ele falou e escreveu, consigo ouvir a sua música, me encantar pelo valor que ela tem e valorizar sua influência.

 

A cada dia, temos que rever conceitos: se existe alguém que apoia o estado de Israel filosoficamente, contra a cegueira de parte da mídia, é atualmente a Alemanha da Angela Merkel, a melhor parceira de Israel. Quem poderia imaginar isso há alguns anos? Quem não souber rever seus conceitos será tão cego como o radicalismo religioso.

 

Resumindo: gosto muito da música de Wagner, e não penso na pessoa dele quando a escuto. Mas para mim é fácil, eu não vivi a Alemanha Nazista.  Respeito quem tem suas cicatrizes, e acho que a música de Wagner, em Israel, deva ser ouvida somente dentro de casa. Isto é, se corremos o risco de que um sobrevivente do Holocausto esteja ouvindo também, devemos desligar e não deixa-lo ouvir novamente. Questão de respeito ao seu passado".

Israelenses não vão tocar Wagner na Alemanha

A Orquestra de Câmera de Israel não vai participar do próximo Festival de Bayreuth, na Alemanha, em julho de 2011, depois que a aceitação do convite (feito por Katharina Wagner, neta do compositor) produziu uma avalanche de protestos entre sobreviventes do Holocausto e seus descendentes. O incômodo se espalhou e os próprios organizadores do evento mais aguardado pelo público wagneriano acharam melhor suspender a apresentação.

As salas de concerto de Israel não programam obras de Richard Wagner (1813-1883), que foi um antissemita notório e cuja música foi utilizada pelo regime nazista. A nora do compositor, Winifred, era grande amiga de Adolf Hitler e foi diretora do Festival de Bayreuth entre 1930 e 1945.

Escreveu mas não disse: em busca de votos, lá como cá, cada dia é um dia...

Carl Paladino, o candidato republicano ao governo de Nova York, foi contundente contra os gays num discurso à comunidade judaica ortodoxa da Congregação Shaarei Chaim, no Brooklyn, que o aplaudiu bastante (também houve aplausos entusiastas quando o candidato exaltou os cidadãos religiosos e atacou os imigrantes).
 
Mas Paladino omitiu uma frase que estava no discurso, e que acabou vazando para a mídia: "Não há nada que possa fazer alguém se sentir orgulhoso por ser um homossexual disfuncional" – foi a tal frase que agora está gerando polêmica e talvez lhe tire votos. O candidato democrata defende os direitos civis da comunidade homo, numa cidade em que o voto deste segmento pesa bastante.

8.10.10

Quem é o autor do Shpy do Chabad? O criador do MAD, Al Jaffee




Al Jaffee, 89 anos, o brilhante artista responsável por grande parte do sucesso da revista  MAD de 1955 até hoje, vem fazendo um "bico" nos últimos 25 anos: desenhou o Shpy, o herói  cujas aventuras fazem sucesso nas páginas da revista infanto-juvenil Moshiach Times, do Chabad de NY. O título da revista alude à esperada chegada do Messias. Leia a história completa, em inglês, no  New York Times. O artista nunca foi um judeu religioso, muito pelo contrário, mas criou esse ótimo personagem, altamente popular entre as crianças (a revista tem 10 mil assinantes, que pagam 15 dólares por ano).  


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30.9.10

Nuremberg procura donos judeus de 10 mil livros roubados

A Biblioteca Pública de Nuremberg, Alemanha, publicou na Internet uma lista com os antigos donos judeus de cerca de 10 mil livros e documentos roubados pelos nazistas. O objetivo da lista é que eles ou seus herdeiros possam reclamá-los. Entre maio e julho de 1933, milhares de livros foram retirados de bibliotecas privadas e públicas e queimados em mais de 20 cidades alemãs, tendo os roubos prosseguido por toda a Europa até 1945.
 
Os que não foram queimados em 1933 foram armazenados. A queima foi orquestrada pelo ministro da Propaganda, Joseph Goebbels. No caso dos livros roubados em Nuremberg e arredores, o encarregado dessa destruição foi o responsável máximo do órgão de propaganda nazista "Der Stürmer", Julius Streicher.

16.9.10



A França lançou semana passada selo celebrando o 150o. aniversário da Aliança Israelita Universal, que levou educação laica a gerações de judeus de todo o mundo árabe. A Aliança, que ainda fuciona, alcançava de capitais como Bagdá e Teerã a pequenas aldeias do Marrocos.

Assim é se lhe parece....(olha o photoshop!)


À primeira vista, a foto, publicada em 14 de setembro pelo jornal egípcio Al Ahram até parece oficial (a legenda em árabe diz: "O Egito guiado pelo presidente Mubarak acolhe uma nova rodada de negociações diretas entre palestinos e israelenses").  Ao lado de Mubarak, estão Barack Obama, o Primeiro-Ministro israelense Netanyahu, o rei Abadallah II da Jordânia e o palestino Mahmoud Abbas.  Mas vejam a foto sem retoques,  da AP, com Mubarak atrás. Blogueiros do mundo árabe, indignados, estão denunciando.

13.9.10

Liberdade para tocar o shofar

Norma Schipper nos envia esse vídeo, “a mais bela mensagem de Ano Novo que recebi até agora”, diz, e acrescenta:

O vídeo mostra aqueles que chegaram a passar até seis meses nas cadeias do Mandato Britânico da Palestina por tocarem o shofar no Kotel Hamaaravi (Muro Ocidental ou Muro das Lamentações), liberado somente em 1967, na Guerra dos Seis Dias. Os ingleses proibiam os judeus de rezar no Kotel e ali tocar o shofar no Ano Novo para "não ofender os muçulmanos". Entre 1948 e 1967, quando a Jordânia dominou Jerusalém Oriental, os judeus foram proibidos até de entrar na Cidade Velha de Jerusalém. Com a derrota árabe em 1967, finalmente os judeus puderam voltar a rezar e tocar o shofar no Kotel.

Peregrinação judaica


Aproximadamente 30.000 peregrinos – todos homens, a maior parte ultraortodoxos ou hassídicos— se  reuniram em Uman, Ucrânia, neste Rosh Hashaná, o Ano Novo judaico, junto ao túmulo do rabino Nahman de Breslev, que morreu há dois séculos. O rabino foi um dos maiores pensadores do hassidismo, movimento religioso que surgiu no século XVIII, e é venerado como um tsadik (santo).

A peregrinação atrai cada vez mais judeus do mundo inteiro, inclusive muitos brasileiros. Ela ocorre num dos locais onde a história do judaísmo europeu oriental foi mais trágica: em 1728, um pogrom exterminou mais de 20 mil judeus, e durante a Segunda Guerra dezenas de milhares foram mortos pelos nazistas. Mas quem viaja a Uman, agora, não está em busca de explicações históricas ou recordações negativas; em clima de extremo júbilo e confraternização, o que se vê é gente cantando e dançando nas ruas.  

Abaixo, artigo de Henrique Veltman sobre o documentário, Yippee, que o diretor norte-americano Paul Mazursky rodou em Uman. 

Após uma visita ao oculista, Paul Mazurski, aclamado diretor do cinema americano, resolve acompanhá-lo numa peregrinação à pequena cidade ucraniana de Uman, em busca do que 20 mil judeus oriundos de todo mundo descrevem como “o mais completo sentimento de felicidade que encontram a cada passagem do Rosh Hashaná”.

Para o oculista, a peregrinação é uma celebração à vida, em que espiritualidade e festa se misturam. “Porque, afinal, Deus é alegria”. Uman tem um significado histórico para os hassidim: foi lá que, há uns duzentos anos, milhares deles foram mortos num pogrom. Como uma homenagem àquelas vítimas, Uman foi o lugar escolhido pelo Rabino Nachman de Bratislav para ser enterrado, em 1810. Ele pregava que a iluminação independe de sangue nobre ou algo parecido. Segundo o sábio são os feitos, o próprio esforço e a escolha dos atos que levam o homem à luz. Dizia que todos os judeus poderiam alcançar a glória e a mais alta plenitude espiritual. “Muitas pessoas acreditam que as histórias são contadas para fazer as pessoas dormir. Eu conto as minhas para acordá-las", dizia o rebe.

No filme, explica-se que o rabino deixou uma mensagem, que visitassem seu túmulo no Rosh Hashaná, assim ele interviria no julgamento dos Dias Temíveis.

Yippee é Paul Mazursky, ele mesmo diante da câmara. As pessoas com quem ele conversa são elas próprias; sua viagem à Ucrânia é real; e os eventos que ele documenta estão acontecendo de verdade naquele momento. Não se trata de um documentário profissional sobre a peregrinação a Uman, nem sobre as suas (de Mazursky) raízes judaicas. O estilo amador é o grande trunfo do filme, dessa Doc comédia; ele até não se leva muito a sério, e esta, talvez, seja a maior virtude do filme.

O avô de Mazursky saiu de Kiev, na mesma Ucrânia de Uman, “para fazer a América”. Mas o neto confessa-se ateu. O efeito de comédia vem justamente desse distanciamento de Mazursky em relação aos rituais da fé religiosa. Isso o leva a ressaltar o humor das cenas de judeus dançando nas ruas. Explora o aspecto cômico das roupas, das cantorias etc. E também das condições enfrentadas por sua equipe. Mazursky saiu de Los Angeles com uma equipe mínima e 40 mil dólares do próprio bolso. Transporte, hospedagem e alimentação ficam muito próximos do que poderíamos classificar de penúria, o que oferece ótimos motivos para piadas tipicamente judaicas.


Em vários momentos do filme, Paul se apresenta aos hassidim e aos ucranianos como um cineasta muito famoso em Hollywood. O que ele realmente é, ou foi. Seja escrevendo, atuando, produzindo ou dirigindo, sua ligação com o cinema ultrapassou todas as barreiras. Foi indicado ao Oscar cinco vezes, mas também concorreu ao Globo de Ouro, à Palma de Ouro em Cannes e ao Urso de Ouro em Berlim, formando uma carreira vitoriosa que contabiliza 13 prêmios ao longo dos seus 56 anos de atuação. Entre seus principais filmes, em que escreveu, produziu e dirigiu, destacam-se "Bob e Carol & Ted e Alice" ,"Uma Mulher Descasada", "Luar sobre Parador" (estrelado pela nossa Sonia Braga), "Um Vagabundo na Alta Roda", "Moscou em Nova York", "Inimigos, Uma História de Amor", “Próxima Parada, Bairro Boêmio”.

Em tempo: Yipee é a expressão de alegria e comemoração por mais um dia de vida.

12.9.10

Fidel, judeus e antissemitismo


Em entrevista a Jeffrey Goldberg, da Atlantic Magazine, que está correndo o mundo, Fidel Castro afirmou que o modelo cubano "não funciona mais" para exportação (depois ele disse que sua frase foi irônica...). Para os judeus, ele deu mostras de grande simpatia, falando de maneira enfática contra o antissemitismo e a negação do Holocausto por Ahmadinejad. A matéria saiu hoje na Folha de São Paulo (só para assinantes,  http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrissima/il1209201005.htm ).

Abaixo, o trecho sobre antissemitismo e Ahmadinejad (by Jeffrey Goldberg, tradução Paulo Migliacci).


Fidel Castro, 84 anos, convidou a dirigente da Comunidade Judaica Cubana, Adela Dworin, a participar
da visita em que acompanhou o jornalista norte-americano Jeffrey Goldberg ao Aquário de Havana (onde
trabalha, como veterniária, Celia Guevara, filha do Che) 



















" Fidel deu início ao nosso primeiro encontro me contando que lera com atenção meu recente artigo para a "Atlantic", e que o texto confirmava que EUA e Israel se encaminham de forma acelerada e gratuita a um confronto com o Irã. A interpretação não surpreende, claro: Fidel é o avô do antiamericanismo no mundo inteiro, sempre foi um severo crítico de Israel.

Seu recado ao premiê israelense Benjamin Netanyahu era simples: Israel só terá segurança se abrir mão de seu arsenal nuclear, e as demais potências nucleares do mundo também só estarão seguras caso abram mão dessas armas. O desarmamento nuclear mundial e simultâneo é decerto uma meta nobre, mas, em curto prazo, não se pode defini-la como realista.

A mensagem de Fidel a Mahmoud Ahmadinejad, o presidente do Irã, não era tão abstrata, no entanto. Nessa primeira conversa, que durou cinco horas, Fidel retomou repetidas vezes suas críticas ao antissemitismo. Criticou Ahmadinejad por negar o Holocausto e explicou por que o governo iraniano serviria melhor à causa da paz caso reconhecesse a história "única" do antissemitismo e tentasse compreender por que os israelenses temem por sua existência.


Ele abriu essa discussão descrevendo seus primeiros contatos pessoais com o antissemitismo, quando era criança. "Lembro de quando era menino, muito tempo atrás, com cinco ou seis anos de idade, e morava no interior", disse. "Lembro da Sexta-Feira Santa. A atmosfera que uma criança respirava naquele dia era a de 'Silêncio, Deus morreu'. Deus morria todo ano, entre a quinta e o sábado da Semana Santa, e deixava todos muito impressionados. O que havia acontecido? E as pessoas respondiam que 'os judeus mataram Deus'. Atribuíam aos judeus a culpa pela morte de Deus! Percebe como era?"


Prosseguiu: "Bem, eu não sabia o que era um judeu; conhecia um pássaro que era chamado de 'judía', e para mim judeus eram aqueles pássaros. Eram aves de bico longo. Não sei por que tinham esse nome. É o que me lembro. Era esse o nível de ignorância da população inteira".


DIFAMAÇÃO Fidel afirmou que o governo iraniano deveria compreender as consequências do antissemitismo teológico. "Isso durou por talvez 2 mil anos", disse. "Não acredito que alguém tenha sido mais difamado que os judeus. Eu diria que foram muito mais difamados que os muçulmanos. Sofreram mais difamação do que os muçulmanos porque foram culpados e difamados por tudo. Ninguém culpa os muçulmanos por coisa nenhuma."


O governo iraniano deveria compreender que os judeus "foram expulsos de sua terra, perseguidos e maltratados no mundo inteiro, porque eram vistos como responsáveis pela morte de Deus. Na minha opinião, foi isso que aconteceu a eles: seleção reversa. E o que é seleção reversa? Ao longo de 2 mil anos, foram sujeitos a terríveis perseguições e 'pogroms'. Seria de presumir que desaparecessem; creio que sua cultura e religião os mantiveram unidos como nação". E prosseguiu: "Os judeus viveram uma existência muito mais difícil que a nossa. Nada se compara ao Holocausto". Pergunto se diria a Ahmadinejad o que estava me dizendo. "Estou dizendo o que digo para que você divulgue", respondeu ele.


Fidel continuou, analisando o conflito entre Israel e Irã. Disse compreender os temores iranianos de agressão pelos israelenses e americanos, e acrescentou que, em sua opinião, as sanções dos EUA e as ameaças de Israel não dissuadirão a liderança iraniana de sua busca por armas nucleares. "O problema não vai ser resolvido, porque os iranianos não vão recuar diante de ameaças externas. É essa minha opinião", disse.


Em seguida apontou que, diferentemente de Cuba, o Irã "é um país profundamente religioso", e disse que líderes religiosos são menos propensos a compromissos. Enfatizou que até mesmo a laica Cuba resistiu a variadas exigências americanas ao longo dos últimos 50 anos".

10.9.10

Livro aborda conceito de raça (por Vilma Homero*)

 
 
 
"Raça é menos um fato biológico do que um mito social e, como mito, causou severas perdas de vidas humanas e muito sofrimento em anos recentes." A declaração é de 1950, quando, no calor do pós-guerra, das lembranças recentes do Holocausto e dos ecos da política racial de Estados Unidos e África do Sul, a Unesco tentou deslanchar uma campanha mundial contra a discriminação racial. O que era para ser uma reflexão entre sociólogos, antropólogos e geneticistas do mundo inteiro transformou-se em discussões acaloradas sem que se chegasse a consenso.
 
O episódio e a análise do fato fazem parte do livro "Raça como Questão – História, Ciência e Identidades no Brasil", em que o sociólogo Marcos Chor Maio, pesquisador e professor do programa de pós-graduação em História das Ciências e da Saúde, da Casa de Oswaldo Cruz, da Fundação Oswaldo Cruz, e o antropólogo Ricardo Ventura Santos, pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública/Fiocruz, professor do  Museu Nacional e Cientista de Nosso Estado, da FAPERJ, reuniram uma série de artigos de vários autores para promover uma reflexão sobre um tema polêmico.
 
(O lançamento será em 15 de setembro, na Blooks Livraria (Praia de Botafogo, 316), a partir das 18h30).

A historiadora Lilia Schwarcz resume bem o espírito do livro: "Raça sempre deu muito o que falar: no exterior, mas sobretudo no Brasil, país identificado desde o século XVI com base em sua natureza exuberante, mas suas 'gentes um tanto estranhas'. Por aqui, o tema proliferou, seja em perspectivas positivas e alentadoras, seja com visões mais negativas. Se a representação onírica, próxima à máxima romântica do 'bom selvagem' revelou-se vitoriosa até o século XIX, é desde esse momento que noções mais pessimistas, ligadas às teorias científicas raciais, tenderiam as inverter os termos da equação. De jardim edênico, nos convertíamos em laboratório (degenerado) de raças. E é nesse contexto que se inicia a bela e sólida parceria entre Ricardo Ventura Santos e Marcos Chor Maio. Dando continuidade a vários trabalhos conjuntos que vêm realizando há longa data, Maio comenta: "O livro é também uma comemoração dessa parceria."

Em Raça como questão, eles traçam um apanhado desde o século XIX, analisando como o tema foi tratado em diferentes períodos, enfocando questões que durante certo tempo moldaram o pensamento dominante, como o higienismo, os estudos que se fazia sobre a mestiçagem ou os modelos da antropologia física, por exemplo. No artigo que abre o livro, "Entre a Riqueza Natural, a Pobreza Humana e os Imperativos da Civilização, Inventa-se a Investigação do Povo Brasileiro", de Jair de Souza Ramos e do próprio Maio, os autores refletem sobre os trabalhos de três autores: Nina Rodrigues, Sílvio Romero e Euclides da Cunha. "O foco de nossa reflexão é a trajetória da apropriação das teorias raciais europeias no Brasil e os desafios dos intelectuais na busca de soluções originais com vistas a fazer do Brasil um país civilizado. Nesse período, predomina um determinismo climático e racial no pensamento desses autores, que, apesar disso, por vezes apresentam argumentos socioantropológicos, questionando a base dessas teorias deterministas", segundo Ramos e Maio.

Num dos capítulos seguintes, Ricardo Ventura Santos se debruça sobre os estudos da Divisão de Antropologia do Museu Nacional, especialmente sobre o trabalho de intelectuais, como Batista de Lacerda e Roquette-Pinto, que por lá passaram entre o final do século XIX e início do XX. Surpreende, por exemplo, o pensamento do antropólogo Roquette-Pinto, que, na contramão de um pensamento reinante naqueles primórdios do século passado, afirmava: "os homens cultos do planeta mostram-se índios de pele branca, cobertos por uma crosta, mais ou menos espessa, de verniz brilhante." Para Roquete-Pinto, sob uma camada de cultura retrógrada ou avançada, encontrava-se um ser humano essencialmente igual em seu potencial, fosse ele europeu ou um índio da Serra do Norte. Ao que Santos avalia: "Se Roquette-Pinto apoia-se em modelos racializados em suas análises antropológicas, sua ênfase não está na existência de hierarquias no plano das potencialidades. Sob seu tom poético, está expressa a noção de que as diferenças residem menos na constituição racial/biológica do que em fatores ligados à cultura e à civilização, metaforicamente representados pela crosta de verniz brilhante." É nesse ponto que, segundo Santos, Roquette-Pinto se distingue das análises e perspectivas sobre indígenas reinantes à época.

Há artigos que abordam questões polêmicas. Em "Antropologia, Raça e os Dilemas das Identidades na Era da Genômica", analisa-se a recepção social dos estudos da equipe do geneticista Sérgio Pena, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Pena e colaboradores abordaram aspectos da ancestralidade genética do minúsculo povoado de Queixadinha, no Vale do Jequitinhonha, no norte de Minas Gerais. "Retrato Molecular do Brasil" sugere que, no país, haveria baixa associação entre aparência física e ancestralidade genômica. Conforme demonstram Santos e Maio, as recepções foram bastante diversas. Enquanto para o ativista do movimento negro Athayde Motta, a pesquisa "seria um simulacro de suporte científico para... injetar sangue no moribundo mito da democracia racial, (...) cuja primordial função é a de manter o estado de desigualdades raciais no Brasil", para M.X. Rienzi, de um grupo de extrema-direita europeu, a conclusão sobre a inexistência de raças seria "uma peça ideológica travestida de ciência". O capítulo analisa como as evidências científicas são apropriadas pela sociedade, o que depende de contextos sócio-políticos particulares.

       
   
Maio e Santos também abordam a política de cotas, examinando o caso do vestibular da Universidade de Brasília (UnB). "Foi a primeira instituição universitária federal a adotar o sistema no país", diz Maio. Na prática, foi uma implementação controversa, uma vez que além da autodeclaração do candidato – e para "controlar possíveis burladores raciais"– exigiram-se fotos que seriam confirmadas por uma comissão. Como mostram os autores, "esses critérios geraram uma temporada de disputas científico-políticas, já que foram objeto de amplas controvérsias. (...) Aludiu-se aos paralelos entre o que estava acontecendo em Brasília e práticas tipológicas de identificação racial comuns no passado no âmbito da antropologia física e da medicina legal, vistas de forma crítica pelas ciências sociais contemporâneas". No último capítulo do livro, em co-autoria com Simone Monteiro, Maio analisa as políticas de ação afirmativa racializadas no domínio da saúde pública com base no processo de construção do campo da saúde da população negra, a partir dos anos 1990.

Marcos Chor Maio agora também se empenha no próximo lançamento de um outro livro: a publicação da dissertação de mestrado da cientista social e psicanalista Virginia Leone Bicudo, que estudou na Escola de Sociologia e Política de São Paulo sob a orientação do sociólogo Donald Pierson. Negra, ela foi uma das pioneiras da psicanálise no país. O livro faz parte das atividades do projeto "Encontro entre Antropologia, Sociologia e Psicologia Social na produção intelectual sobre raça e racismo no Brasil (1930-1950)", apoiado pela FAPERJ, na modalidade Auxílio à Pesquisa (APQ 1). Integrante da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, Virgínia estudou em Londres (1955-1960), onde fez cursos no Instituto de Psicanálise da Sociedade Britânica e se especializou em psicanálise da criança na Tavistock Clinic. Manteve estreito contato com a psicanalista Melanie Klein. Organizado por Maio, Estudo de Atitudes Raciais de Pretos e Mulatos em São Paulo será publicado pela Editora da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, com lançamento previsto para o dia 11 de novembro, durante o Seminário Internacional de Sociologia: 50 anos de Brasília e 40 anos do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UnB.

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