28.2.11

Colegas da literatura e de ZH relembram convivência e homenageiam Moacyr Scliar

"Moacyr Scliar era um judeu universal. Era um artista muito ligado à questão judaica, mas com a capacidade de reconhecer o outro, de se ver no outro e encontrar nele um idêntico, o que fazia dele um ser humano extraordinário."
Tarso Genro, governador do Estado

"Estou muito triste com as mortes do Scliar e do Benedito Nunes (filósofo e escritor paraense, também morto neste domingo). Perdi dois grandes amigos em um dia. Eu os via pouco, via mais o Scliar. Participamos de alguns eventos literários juntos. O primeiro deles foi em Zurique, na década de 90: um encontro de escritores brasileiros na Suíça. Desde então, a gente, de vez em quando, se encontrava em eventos literários. Ele participava muito mais do que eu, tinha essa paixão pelo público, estava em todas. Eu brincava dizendo que era preguiçoso e não gostava de viajar tanto.

Ele transitou por todos os gêneros, foi escritor de uma obra multifacetada, importante para a literatura brasileira. Gosto dos contos dele, que às vezes têm até mais força do que os romances. Foi um jornalista cultural e um cronista exemplar. Eu o admirava muito.
Sempre foi uma pessoa muito generosa com os escritores. Nesse mundinho da literatura, há muita vaidade, uma vaidade doentia, como talvez exista em todas as profissões. O Scliar estava acima disso. Quem é generoso não precisa ficar se afirmando.
Não achava que ele iria embora agora, sinceramente. Achava que iria se recuperar. Foi uma grande perda. A morte é sempre um escândalo."
Milton Hatoum, escritor amazonense, autor de Dois Irmãos e Cinzas do Norte

"Ele fez a orelha do meu terceiro livro, Anotações Durante o Incêndio (lançado em 2000). Não me conhecia, não sabia quem eu era. Leu e, em três dias, estava pronto, por pura generosidade. Depois descobri que ele era generoso para tudo, sempre disponível.
Quando eu era diretora do Instituto Estadual do Livro (IEL), se faltasse um autor para atender a uma escola lá num cafundó qualquer, ele ia, não importava onde. Era um entusiasta da literatura, um amante da vida. Muito grato ao Brasil, ao Rio Grande do Sul — foram esse país e esse Estado que acolheram a gente dele, a nossa gente. Ele se sentia profundamente gaúcho. Era sinceramente gaúcho e sinceramente judeu, embora não fosse reliogioso.
Perdemos um homem maravilhoso, um ser humano do mais alto quilate, um diamante. A gente perdeu um homem bom, um cara honesto, reto, digno, um pai maravilhoso."
Cíntia Moscovich, escritora gaúcha, autora de Duas Iguais e Por que Sou Gorda, Mamãe?

"Convivi com o Moacyr em dois locais diferentes. Em ambos, usava suas inquietas mãos. Na Redação de Zero Hora, onde transportava para o computador sua consagrada obra literária, que o levou à Academia Brasileira de Letras e a prêmios nacionais e internacionais. O outro local foi o ginásio de esportes da Associação Cristã de Moços (ACM), onde deixou uma obra que também o imortalizou. Tal como no livro O Exército de Um Homem Só, brindava todos os anos a nós, atletas de basquete da turma do meio-dia, com uma única cesta de três pontos — o que nos levou a chamá-lo de 'O Homem de uma Cesta Só'. Como essa façanha acontecia nos finais de ano, após quase uma centena de tentativas — número semelhante ao total de livros de sua admirável obra —, foi cognominada de 'A Cesta de Natal', sendo que esses primeiros três pontos estão 'imortalizados' nos dizeres pintados no piso da quadra, descrevendo o certeiro arremesso no local do inédito acontecimento, com tinta indelével para que, mesmo na ausência, lembremos para sempre a sua festejada Cesta de Natal."
Marco Aurélio Carvalho, chargista de Zero Hora

"Era um dos escritores mais queridos da literatura brasileira. Não só por causa da obra, cuja importância é indiscutível, mas também pela generosidade com que sempre tratou colegas, leitores, editores, jornalistas."
Michel Laub, escritor gaúcho, autor de O Segundo Tempo

"Gostava muito do Scliar. A leitura de O Centauro no Jardim  foi um impacto para mim. O livro me marcou profundamente como um novo caminho para a literatura brasileira. Daí para a frente, fui acompanhando todos os seus livros. A Majestade do Xingu é um romance perfeito. Acabei de ler Eu vos Abraço, Milhões. A fase final dele, bíblica, eu achava muito interessante. Ele internacionalizou a literatura brasileira. Era um herdeiro do estilo do grande narrador, do contador de histórias, que ele foi mais do que ninguém.
Costumava encontrá-lo em feiras de livro. A última vez foi em Ribeirão Preto, em agosto. Era sempre uma pessoa extremamente acessível, gentil. Um tempo antes, nos vimos em um hotel no Rio, onde estávamos hospedados para um evento. Tomamos café da manhã juntos. Ele olhou para o meu prato e disse: 'Bá, tchê, que frugal que tu és' (risos). Como médico, achou a minha alimentação ótima, deu nota 10. Anos atrás, éramos ambos jurados do prêmio Portugal Telecom de Literatura. Um dia, brincou: 'Agora vou me alimentar. Eu nem sei por que vou comer, já que eu sou imortal'. Só tenho doces lembranças dele."
Cristovão Tezza, escritor catarinense radicado no Paraná, autor do multipremiado O Filho Eterno

"De todas as lembranças que Scliar nos deixa, a mais forte é a da sua capacidade incomparável de trabalho. Se o editor de qualquer área precisasse de um texto de qualidade para apoiar uma matéria sobre os mais diversos assuntos recorria a ele, a sua lucidez de analista e a seu conhecimento enciclopédico. Não tenho notícia de que alguma vez tenha dito não. As duas perguntas que fazia eram sempre as mesmas: em quanto tempo precisava entregar a tarefa e qual era o tamanho do texto.
Não é de se estranhar, pois, que nesses anos todos de ZH ele tenha sido presença regular no Segundo Caderno, na Opinião e no Vida e colaborador bissexto na Política, na Geral e no Mundo, além de dar palpites sobre basquete, o esporte que praticava, e o Cruzeiro, seu time do coração.
Nós aqui vamos sentir saudade do Scliar. Ainda não nos acostumamos com a ausência dele neste início de 2011. Como é período de férias, uns chegam, outros saem e a gente tem a impressão de que em março nos reencontraremos todos. Antes que março chegasse, o cavalheiro Scliar nos deixou no início desta madrugada. A redação de ZH está mais pobre."
Rosane de Oliveira, editora de Política e colunista de Zero Hora